Escrito por Miguel do Rosário, Postado em Arpeggio, Miguel do Rosário, Redação
Mais uma vez eu apelo ao historiador futuro.
Não tenho muitas esperanças na “opinião pública” brasileira. Ela está exposta demais ao massacre diário de distorções, para poder se defender e se posicionar de maneira serena e desapaixonada sobre os fatos.
Mas o tempo da política é dinâmico. As paixões irão se arrefecer, e as mentiras de hoje, marteladas como verdades irrefutáveis pelos donos do poder, e defendidas com uma violência simbólica da qual é muito difícil escapar, serão todas desmascaradas em seu devido tempo, ou então perderão a maior parte de sua força.
A “delação” de João Santana e Mônica Moura é mais um capítulo da Inquisição brasileira, conforme denunciou um dos maiores juristas do mundo, Luigi Ferrajoli* (prezados advogados do Lula, leiam nota ao final do post). O conjunto de informações, que alguns dizer ser “demolidor” para Dilma ou Lula, pode ser divididos em três partes: uma delas são fofocas, uma outra são mentiras, uma terceira são cretinices.
Comecemos pelas cretinices: a questão epistemológica do “eu sabia”. Esse é o tipo de acusação típica do fanatismo de burocratas que não apenas desconhecem a dinâmica das campanhas políticas, como parecem odiar a política. O mais honesto secretário de segurança de um estado também “sabe” que há corrupção policial, e se ele for diligente, fará de tudo para combatê-la, mas isso não significa que ele seja corrupto. O fato de saber, da mesma forma, não o fará abandonar o seu cargo, nem dar entrevistas diárias para esculhambar a polícia chamando-a de corrupta. Também não poderá dar início a procedimentos disciplinares que fujam às regras democráticas, sob o risco de paralisar a polícia e perder o seu próprio cargo, e não resolver em nada o problema da corrupção.
Caixa 2 é um problema, além disso, vinculado a falhas intrínsecas à legislação eleitoral. O professor Wanderley Guilherme dos Santos explica isso em seu último livro. O TSE autoriza a coligação de campanha, permite que partidos cedam seu tempo de tv para outros, mas bloqueia o compartilhamento financeiro de recursos. Não adianta vir de mimimi de promotor público, dizendo que não pode e não pode. A legislação é falha, e tem de ser modificada, porque a necessidade política sempre falará mais alto.
De qualquer forma, é uma acusação, além de cretina, idiota, porque emprenhada de subjetivismo.
A segunda parte das delações são fofocas ou a transformação de coisas insignificantes em atos criminosos. A questão de comunicação, por exemplo. A Lava Jato cria toda uma atmosfera de terrorismo, vazando conversas íntimas de qualquer um, fazendo com que todos se sintam inseguros acerca da comunicação de fatos sensíveis, e depois criminaliza a pessoa que tenta se comunicar sem ser espionada?
Ora, uma campanha eleitoral é cheia de segredos! As estratégias de campanha são obviamente ultrassigilosas! É óbvio que o candidato e seus marketeiros adotarão cuidados para se comunicar sem ser espionados por seus adversários!
A campanha nos EUA mostrou bem isso. Uma liderança do partido democrata, e a própria Hillaty Clinton, tiveram seus emails vazados. Os democratas depois culparam os “russos”, tentaram criar uma ridícula e anacrônica comoção nacionalóide dos americanos.
A terceira parte das delações são mentiras. João Santana era o marketeiro mais requisitado da América Latina. Taí outro crime da Lava Jato. Ela criminaliza o talento. Deixando o moralismo de lado, já que o moralismo não tem nada a ver com o capitalismo internacional, a riqueza das nações depende do talento de seus empresários, que pagam marketeiros políticos para ajudarem nas campanhas eleitorais de outros países. É o que os EUA sempre fizeram, no mundo inteiro. No Brasil, a gente prende o nosso melhor marketeiro, que conseguiu vitórias em vários países da América Central e África, para benefício de empresas brasileiras que tinham interesse nessas vitórias.
Quando foi preso, ou antes mesmo, João Santana e esposa explicaram que as contas no exterior que possuíam, eram para receber pagamentos de campanhas eleitorais que faziam em outros países. Era o lógico. Santana recebeu, em caixa 1, com as devidas notas fiscais, mais de R$ 60 milhões da campanha de Dilma Rousseff. A troco de que iria arriscar um negócio desse vulto com caixa 2?
E aí entra o método da Lava Jato. Seus procuradores, com anuência judicial, torturaram o casal Santana com ameaças de prisão perpétua, aplicaram-lhes a maior fiança quiçá já cobrada na história do Brasil a um cidadão, de mais de R$ 30 milhões, que correspondia, aparentemente, quase totalidade do dinheiro que o casal havia acumulado, em 30 anos de trabalho, e deixaram bem claro: prisão perpétua, aos moldes da aplicada em Marcos Valério, em Dirceu, etc, ou “confessar” exatamente o que os procuradores queriam ouvir, a saber, entrar no jogo sujo do golpe, e acusar Dilma, Lula e o PT.
Nenhuma “delação” se assemelha tantos aos processos de Moscou como essa de João Santana e esposa.
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* Prezados advogados do presidente Lula. O vídeo com o depoimento de Ferrajoli está com legendas erradas. Eu sei italiano. Já morei alguns meses na Itália, onde inclusive tive o privilégio de ler a íntegra do Inferno, de Dante, no original. Onde ele fala “Inquisizione”, Inquisição, vocês traduziram, sabe-se lá porque, para Impedimento. Impedimento, em italiano, é a mesma coisa que em português e se pronuncia da mesma forma. Confiram no minuto 4:19, do vídeo abaixo, e confiram que ele fala “Inquisizione”. Me parece evidente que o impacto da denúncia de Ferrajoli perde muita força por causa desse lamentável erro de tradução. Favor, refaçam essas legendas, porque esse depoimento tem um valor histórico imenso!
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