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domingo, 20 de julho de 2014

SAÚDE Estrangeiros do Mais Médicos resgatam os primeiros cuidados

Profissionais dedicam mais tempo às consultas, orientam novos hábitos e valorizam uso de planta medicinal

Publicado em 20/07/2014, às 09h29

Veronica Almeida

valmeida@jc.com.br

Médicos reservam mais tempo para ouvir os pacientes / Foto: Guga Matos/JC Imagem

Médicos reservam mais tempo para ouvir os pacientes

Foto: Guga Matos/JC Imagem

Seis meses de convivência com a comunidade Bola na Rede, na Guabiraba, Zona Norte do Recife, foram suficientes para que a médica espanhola Maria Cristina de Sierra Neves idealizasse um inventário de espécies vegetais, existentes no local, com fins terapêuticos. Resgatar o uso de plantas medicinais, ouvir mais a queixa do doente, examiná-lo, tentar o possível e orientar mudança de hábito tem sido uma preocupação de profissionais estrangeiros do Programa Mais Médicos, surpresos com a medicação excessiva dos usuários do SUS sem doenças graves e com o costume de, na primeira consulta, pacientes pedirem exames de imagens ou encaminhamento a especialistas.

>Lançado há um ano, o Mais Médicos possibilitou no País um reforço de 14,4 mil profissionais, a maioria cubanos, que começaram a trabalhar nos postos de Saúde da Família desde setembro de 2013. Em Pernambuco, 669 estão nas comunidades de 75% dos municípios, atendendo 2,2 milhões de pessoas. Dois terços deles são estrangeiros, principalmente de Cuba, e as consultas da atenção básica já aumentaram 21%. 
“Recebi uma jovem de 25 anos, com dor de estômago, que pedia endoscopia digestiva alta”, conta, surpresa, a médica espanhola Maria Cristina. Com mais de 30 anos de experiência, em diversos continentes, ela acredita que a educação pode ajudar a comunidade a acreditar em outras soluções, sem depender, ao primeiro sinal de doença, de tecnologias e métodos indicados para situações mais graves. Cristina quer conhecer a vasta área verde da comunidade, estudar o material disponível no SUS e produzir, com sua equipe, uma cartilha de orientação. Conta com o apoio de agentes comunitários de saúde como Giliane Silva. Moradora da comunidade, tem conhecimento prévio sobre os usos da folha da pitanga no controle da diarrei e do capim-santo como tranquilizante, por exemplo. “Usar as plantas é mais saudável”, concorda a moradora Nalva Menezes, 50 anos.

Maria Cristina constatou, no Recife, que a desnutrição já não é grave. O que mais vê são problemas de pele, hipertensão e diabete, intercalados com doenças infecciosas e alcoolismo. A médica, que já trabalhou na África, Afeganistão, com populações indígenas no Peru e na Venezuela, não critica a casa simples onde trabalha. Com o colega Fillippo Santini, italiano, também do Mais Médicos, e os enfermeiros do posto, discute casos clínicos. Os pacientes aprovam. “São ótimos. Examinam, escutam a gente, são muito educados”, comenta Irenilda Ferreira, moradora da comunidade. Dificuldade para entender o que eles falam? Ela diz que não há.

O costume de tomar muita medicação também é observado na Zona da Mata. Em Água Preta, onde vivem quase 34 mil pessoas, a médica cubana Tania Dringgs, há menos de dois meses atuando na zona rural, quer reduzir o uso de remédio controlado por pessoas que não têm indicação para esse tratamento. “Estou pedindo reavaliação do psiquiatra. Não se pode tomar remédio para dormir só por causa de uma noite de insônia ou de um abatimento qualquer. Nem todos os dias estamos alegres e isso não é doença”, afirma.

Ela está montando um mural educativo para os usuários, indicando o uso de plantas medicinais. Assim, nas consultas, poderá enfatizar, de forma pedagógica, tratamentos simples sem efeitos colaterais, respeitando a cultura popular. O que a cubana está fazendo na Zona da Mata e o que a espanhola quer dar andamento no Recife são previstos na política de saúde brasileira, que reconhece o uso de chás e outras formas caseiras, inclusive com bulário produzido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa ).

Também são preceitos da atenção básica olhar para o paciente como parte de uma comunidade, que divide problemas de habitação, educação e renda, e de uma família. Isso exige mais tempo para ouvi-lo, orientá-lo na prevenção e garantir o cuidado inicial ou constante, mesmo que a doença em questão precise de tratamento especializado em níveis mais complexos da rede de saúde. 

A médica cubana Osnaimy Martín atende populações rurais banhadas pelo Rio Una, em Água Preta. “Há crianças com parasitismo (doenças causadas por parasitas na pele e aparelho digestivo) e muitos são idosos, com complicações da pressão alta e da diabete”, conta. Passa da hora de almoçar, mas não deixa de cumprir a rotina, que inclui atendimento no posto e na casa dos mais vulneráveis. Entre eles, o aposentado José Antônio da Silva, 75 anos. 

Maria José Silva, filha do idoso, conta que o pai sofre com úlceras nas pernas, consequência da alta glicose. Já perdeu um dedo do pé, tem muitas dores nas juntas e recentemente, ao ser avaliado por um médico brasileiro, ouviu que a única solução seria amputar as pernas. “Graças a Deus, depois dessa médica cubana, vejo que ele está melhorando”, diz. Osnaimy prescreveu vitaminas para acelerar a cicatrização, associando curativos diários. Yaneidy Cedeno, também no município, lembra que a organização do sistema de saúde cubano é diferente, mas há problemas semelhantes, como doenças crônicas do envelhecimento. Observa que o entendimento do doente é menor quando sua escolaridade é baixa.

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