Numa mudança repentina de atitude, o governo argentino atuou ontem para colocar fim aos protestos do sindicato de trabalhadores de uma empresa avícola
Dario Pignotti - Página/12
Os trabalhadores da avícola Cresta Roja decidiram levantar um acampamento na rodovia Riccheri, na noite desta terça-feira (22/12), depois que o Ministério do Trabalho prometeu um aumento de 2 mil pesos no pagamento de um programa assistencial, uma ajuda extra para o orçamento das festas de fim de ano, e a possibilidade de retomar rapidamente a produção da empresa. No final da jornada de protestos, já na manhã de quarta, eles sofreram uma feroz repressão por parte das forças policiais que buscaram tirá-los da autopista com carros lançadores de água e balas de borracha, que deixaram alguns manifestantes feridos, uma ação que quebrou a lógica da atuação das forças de segurança durante os anos do kirchnerismo e que, segundo os trabalhadores, frustrou também os compromissos que os funcionários macristas haviam tomado neste caso. Esta mudança motivou o repúdio de boa parte da dirigência política e dos organismos de direitos humanos. “Quando chegaram as forças policiais, me disseram que se não saíssemos em cinco minutos, nos tiravam à força, que a determinação do dia anterior já não valia mais, por ordem do presidente. Não me deram tempo de informar a todos, e menos ainda de fazer uma assembleia sobre o novo panorama”, contou Cristian Villalba, um dos representantes dos trabalhadores, sobre o início do acionar repressivo. A ministra de Segurança, Patricia Bullrich, depois assumiu para si a responsabilidade pela ordem de atuar para a força pública.
Pouco depois das 9h, os efetivos da tropa de choque – com cassetetes, capacetes e escudos – avançaram para desocupar a pista que leva ao aeroporto de Ezeiza. Os policiais formaram um cordão para impedir que os trabalhadores de retomar o protesto. Houve empurra-empurra, e algumas pedras e garrafas começaram a voar, o que derivou em caos e repressão generalizada, um cenário que não de via há muito tempo. “Eles quiseram nos trucidar, vários de nós terminaram no hospital”, disse um dos trabalhadores, em entrevista ao jornal Página/12, sintetizando o que foi o operativo ordenado pela ministra Bullrich.
O Ministério de Segurança acusou a presença de “infiltrados de esquerda”, por querer tomar o aeroporto, desvirtuando o que disse um dos representantes dos trabalhadores, sobre uma troca de insultos entre sindicalistas e policiais, que teria desencadeado o segundo ataque repressivo. “Aqui somos todos trabalhadores, inclusive os de outros sindicatos, que vieram nos apoiar, e estamos comendo graças às doações deles. O que queremos é trabalhar, há dois meses que não completamos uma jornada de trabalho”, disse um dos porta-vozes.
O acordo
“Há um compromisso político dos governos nacional e provincial, em acompanhar este processo com os recursos disponíveis, para aliviar as circunstâncias de muito sofrimento para os trabalhadores, mas respeitando as decisões judiciais”, afirmou Jorge Triaca, ministro do Trabalho, que também afirmou que “há interessados em assumir a empresa”, cuja quebra foi determinada pela Justiça na mesma terça em que se iniciou o conflito.
Pouco antes das 21h, Triaca sintetizou a proposta que entregaram a Cristian Villalba, representante dos empregados da avícola, se referindo a eles como “os companheiros”. O ministro disse que analisaram a decisão da juíza Valeria Pérez Casado, para “facilitar a quebra”, e antecipou que hoje se reuniria com a magistrada. “Nem o governo nacional nem o provincial vão abandonar vocês, estaremos atentos a cada um dos seus requerimentos, e vamos acompanhar tudo o que a juíza estabeleça, para chegar a uma saída tanto para os trabalhadores como para retomar a produção da empresa”, assegurou Triaca.
“O Ministério do Trabalho outorgou nos últimos dias um programa Repro (Recuperação Produtiva) de 4 mil pesos, e nos comprometemos a dar 6 mil pesos para cada trabalhador a partir de janeiro”, agregou o titular da pasta, em alusão ao benefício similar ao 13º salário, que já vem sendo entregue há um ano. É para que “passem as festas de fim de ano da melhor maneira possível, entendendo as dificuldades do caso”, disse ele, garantindo que o Ministério do Desenvolvimento Social e o governo da Província de Buenos Aires vão entregar também presentes de natal. Triaca destacou que “não é preciso bloquear uma estrada, nós vamos escutá-los sem a necessidade disso”, e pediu que terminem com os protestos, enfatizando que “esta é uma situação herdada do governo que se foi, depois precisamos revisar os subsídios entregues, e os donos da empresa deverão prestar contas com a Justiça”.
Villalba, o principal porta-voz dos trabalhadores, afirmou que o encerramento do protesto seria decidido em assembleia, a que aconteceu pouco depois do acordo. “Os culpados pela situação atual da empresa já não pertencem a ela. O compromisso do governo foi o de buscar um comprador para a empresa”, agregou, falando de quatro possíveis interessados.
O sindicalista admitiu que esperavam outro tipo de resposta, mas afirmou que isso seria “medianamente favorável”. Enquanto isso, no acampamento, outros delegados destacavam a unidade entre os trabalhadores das duas plantas da avícola, e pediu que “as autoridades cumpram com o prometido, assim podemos voltar a trabalhar”. As famílias começavam cozinhar os alimentos doados. A esta altura do mês, já haviam gastado os 2 mil pesos (menos de mil reais) que recebiam através do subsídio Repro – surgido para auxiliar as empresas em crise, com o pagamento por parte do Estado de uma porção do salário dos empregados.
“Minha tarefa era a de colocar os frangos vivos nas jaulas”, diz Mauricio Herrera, 38 anos, pai de duas filhas. Ele fala no passado, porque se acaba de saber que a Justiça determinou a quebra da empresa. Enquanto os delegados conversavam com Triaca, no acampamento da rodovia Riccheri eram discutidas as alternativas diante deste novo cenário, e se dispunham a debatê-las na assembleia: não descartavam nem mesmo a possibilidade deles mesmo tomarem a responsabilidade de administrar a empresa e retomar a produção. “Até agora, o governo e o dono da fábrica escondem a bola, mas no meio do campo estamos nós, e queremos saber como continua este jogo”, define ele o sentimento de suspeita de a sentença de quebra da empresa poderia significar a legalização das demissões.
“Na tarde da segunda-feira (21/12), tínhamos um acordo com os dois chefes policiais, deixaríamos duas pistas livres até a hora da reunião com o Ministério do Trabalho, que ia a ser ao meio dia (de quarta-feira), mas eles mesmos desconheceram o combinado depois, e chegaram quebrando tudo no acampamento pela manhã, com cassetetes, jatos d´água e balas de borracha, havia apenas 20 pessoas, e nos destroçaram”, conta Herrera.
Após assumir a autoria da ordem repressiva, que não foi precedida de nenhuma mediação e não contou com ordem judicial de respaldo, o Ministério de Segurança emitiu um comunicado macartista, acusando o Partido Operário de infiltrar vândalos no protesto dos trabalhadores da avícola: “um grupo de militantes ingressaram no aeroporto de Ezeiza com a intenção de tomar posse do mesmo”. A ministra Bullrich se baseou em declarações posteriores do segundo informe entregue pelos comandantes da tropa de choque, quando o sindicalista Villalba falou em “infiltrados”, para evitar que os trabalhadores fossem responsabilizados por uma suposta agressão a um policial.
Herrera disse ao diário Página/12 que “uma pessoa de uma agrupação veio nos apoiar, mas a polícia disse para irem embora, nunca pedimos aos partidos de esquerda para que se retirem, como disseram alguns meios, e tampouco é verdade que vieram agora pela primeira vez, eles nos apoiam desde que o conflito começou”, relatou o trabalhador. “Independente da ideologia de cada um, aqui somos todos trabalhadores, os que vêm apoiar nossa luta também são trabalhadores, eles trazem alimentos e graças a eles estamos comendo, se o companheiro disse outra coisa sobre isso foi um erro”, enfatizou Herrera. A direção do Partido Operário já avisou que denunciará a ministra Bullrich na Justiça por “injúria e provocação política para justificar a repressão”.
O conflito na avícola Cresta Roja se arrastra desde 2014, quando a empresa começou a revelar supostos problemas econômicos para obter ajuda financeira do governo anterior, e o fazia com ameaças de quebra, o que seria causado por “dificuldades financeiras devido às reclamações dos trabalhadores”. Os empregados responderam com greves e ocupações na planta, impulsados pelas bases, sem a anuência da direção sindical. O grupo Rasic, dono da empresa, realizou 650 demissões como represália, devido à exigência de um pagamento retroativo de 2 mil pesos, combinado entre a câmara avícola e o Sindicato dos Trabalhadores da Alimentação.
Na noite de quarta (23/12), depois que o governo cumpriu com a liberação dos trabalhadores detidos, os manifestantes terminaram com o protesto na rodovia Riccheri, e os efetivos policiais também se retiraram.
Tradução: Victor Farinelli
Pouco depois das 9h, os efetivos da tropa de choque – com cassetetes, capacetes e escudos – avançaram para desocupar a pista que leva ao aeroporto de Ezeiza. Os policiais formaram um cordão para impedir que os trabalhadores de retomar o protesto. Houve empurra-empurra, e algumas pedras e garrafas começaram a voar, o que derivou em caos e repressão generalizada, um cenário que não de via há muito tempo. “Eles quiseram nos trucidar, vários de nós terminaram no hospital”, disse um dos trabalhadores, em entrevista ao jornal Página/12, sintetizando o que foi o operativo ordenado pela ministra Bullrich.
O Ministério de Segurança acusou a presença de “infiltrados de esquerda”, por querer tomar o aeroporto, desvirtuando o que disse um dos representantes dos trabalhadores, sobre uma troca de insultos entre sindicalistas e policiais, que teria desencadeado o segundo ataque repressivo. “Aqui somos todos trabalhadores, inclusive os de outros sindicatos, que vieram nos apoiar, e estamos comendo graças às doações deles. O que queremos é trabalhar, há dois meses que não completamos uma jornada de trabalho”, disse um dos porta-vozes.
O acordo
“Há um compromisso político dos governos nacional e provincial, em acompanhar este processo com os recursos disponíveis, para aliviar as circunstâncias de muito sofrimento para os trabalhadores, mas respeitando as decisões judiciais”, afirmou Jorge Triaca, ministro do Trabalho, que também afirmou que “há interessados em assumir a empresa”, cuja quebra foi determinada pela Justiça na mesma terça em que se iniciou o conflito.
Pouco antes das 21h, Triaca sintetizou a proposta que entregaram a Cristian Villalba, representante dos empregados da avícola, se referindo a eles como “os companheiros”. O ministro disse que analisaram a decisão da juíza Valeria Pérez Casado, para “facilitar a quebra”, e antecipou que hoje se reuniria com a magistrada. “Nem o governo nacional nem o provincial vão abandonar vocês, estaremos atentos a cada um dos seus requerimentos, e vamos acompanhar tudo o que a juíza estabeleça, para chegar a uma saída tanto para os trabalhadores como para retomar a produção da empresa”, assegurou Triaca.
“O Ministério do Trabalho outorgou nos últimos dias um programa Repro (Recuperação Produtiva) de 4 mil pesos, e nos comprometemos a dar 6 mil pesos para cada trabalhador a partir de janeiro”, agregou o titular da pasta, em alusão ao benefício similar ao 13º salário, que já vem sendo entregue há um ano. É para que “passem as festas de fim de ano da melhor maneira possível, entendendo as dificuldades do caso”, disse ele, garantindo que o Ministério do Desenvolvimento Social e o governo da Província de Buenos Aires vão entregar também presentes de natal. Triaca destacou que “não é preciso bloquear uma estrada, nós vamos escutá-los sem a necessidade disso”, e pediu que terminem com os protestos, enfatizando que “esta é uma situação herdada do governo que se foi, depois precisamos revisar os subsídios entregues, e os donos da empresa deverão prestar contas com a Justiça”.
Villalba, o principal porta-voz dos trabalhadores, afirmou que o encerramento do protesto seria decidido em assembleia, a que aconteceu pouco depois do acordo. “Os culpados pela situação atual da empresa já não pertencem a ela. O compromisso do governo foi o de buscar um comprador para a empresa”, agregou, falando de quatro possíveis interessados.
O sindicalista admitiu que esperavam outro tipo de resposta, mas afirmou que isso seria “medianamente favorável”. Enquanto isso, no acampamento, outros delegados destacavam a unidade entre os trabalhadores das duas plantas da avícola, e pediu que “as autoridades cumpram com o prometido, assim podemos voltar a trabalhar”. As famílias começavam cozinhar os alimentos doados. A esta altura do mês, já haviam gastado os 2 mil pesos (menos de mil reais) que recebiam através do subsídio Repro – surgido para auxiliar as empresas em crise, com o pagamento por parte do Estado de uma porção do salário dos empregados.
“Minha tarefa era a de colocar os frangos vivos nas jaulas”, diz Mauricio Herrera, 38 anos, pai de duas filhas. Ele fala no passado, porque se acaba de saber que a Justiça determinou a quebra da empresa. Enquanto os delegados conversavam com Triaca, no acampamento da rodovia Riccheri eram discutidas as alternativas diante deste novo cenário, e se dispunham a debatê-las na assembleia: não descartavam nem mesmo a possibilidade deles mesmo tomarem a responsabilidade de administrar a empresa e retomar a produção. “Até agora, o governo e o dono da fábrica escondem a bola, mas no meio do campo estamos nós, e queremos saber como continua este jogo”, define ele o sentimento de suspeita de a sentença de quebra da empresa poderia significar a legalização das demissões.
“Na tarde da segunda-feira (21/12), tínhamos um acordo com os dois chefes policiais, deixaríamos duas pistas livres até a hora da reunião com o Ministério do Trabalho, que ia a ser ao meio dia (de quarta-feira), mas eles mesmos desconheceram o combinado depois, e chegaram quebrando tudo no acampamento pela manhã, com cassetetes, jatos d´água e balas de borracha, havia apenas 20 pessoas, e nos destroçaram”, conta Herrera.
Após assumir a autoria da ordem repressiva, que não foi precedida de nenhuma mediação e não contou com ordem judicial de respaldo, o Ministério de Segurança emitiu um comunicado macartista, acusando o Partido Operário de infiltrar vândalos no protesto dos trabalhadores da avícola: “um grupo de militantes ingressaram no aeroporto de Ezeiza com a intenção de tomar posse do mesmo”. A ministra Bullrich se baseou em declarações posteriores do segundo informe entregue pelos comandantes da tropa de choque, quando o sindicalista Villalba falou em “infiltrados”, para evitar que os trabalhadores fossem responsabilizados por uma suposta agressão a um policial.
Herrera disse ao diário Página/12 que “uma pessoa de uma agrupação veio nos apoiar, mas a polícia disse para irem embora, nunca pedimos aos partidos de esquerda para que se retirem, como disseram alguns meios, e tampouco é verdade que vieram agora pela primeira vez, eles nos apoiam desde que o conflito começou”, relatou o trabalhador. “Independente da ideologia de cada um, aqui somos todos trabalhadores, os que vêm apoiar nossa luta também são trabalhadores, eles trazem alimentos e graças a eles estamos comendo, se o companheiro disse outra coisa sobre isso foi um erro”, enfatizou Herrera. A direção do Partido Operário já avisou que denunciará a ministra Bullrich na Justiça por “injúria e provocação política para justificar a repressão”.
O conflito na avícola Cresta Roja se arrastra desde 2014, quando a empresa começou a revelar supostos problemas econômicos para obter ajuda financeira do governo anterior, e o fazia com ameaças de quebra, o que seria causado por “dificuldades financeiras devido às reclamações dos trabalhadores”. Os empregados responderam com greves e ocupações na planta, impulsados pelas bases, sem a anuência da direção sindical. O grupo Rasic, dono da empresa, realizou 650 demissões como represália, devido à exigência de um pagamento retroativo de 2 mil pesos, combinado entre a câmara avícola e o Sindicato dos Trabalhadores da Alimentação.
Na noite de quarta (23/12), depois que o governo cumpriu com a liberação dos trabalhadores detidos, os manifestantes terminaram com o protesto na rodovia Riccheri, e os efetivos policiais também se retiraram.
Tradução: Victor Farinelli
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