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domingo, 12 de abril de 2015

História política » Pelópidas: o homem por trás do gestor

Ex-prefeito do Recife por três vezes, o socialista completaria 100 anos se vivo fosse na 
próxima quarta-feira (15). Durante trajetória, construiu amizades até nos lugares mais 
improváveis

Thiago Neuenschwander - Diario de Pernambuco

Publicação: 12/04/2015 08:30 

Engenheiro morreu em 2008 de falência múltipla dos órgãos (Inês Campêlo/DP/D.A.Press) (Inês Campêlo/DP/D.A.Press)


Engenheiro morreu em 2008 de falência múltipla

 dos órgãos (Inês Campêlo/DP/D.A.Press)
Se vivo fosse, o ex-prefeito do Recife, Pelópidas Silveira, completaria 100 anos na próxima quarta-feira. Homem de reconhecida capacidade, o engenheiro é lembrado publicamente como um dos políticos que mais contribuíram para o desenvolvimento urbano da capital pernambucana, com intervenções de grande importância para a cidade, como o alargamento da Avenida Conde da Boa Vista e a abertura da Avenida Dantas Barreto, na área central. Poucos, porém, relataram quem era o homem por trás do gestor exemplar que esteve três vezes à frente do comando do Executivo municipal. Ao longo de seus 93 anos de vida (faleceu em 6 de setembro de 2008), com sua imensa capacidade intelectual, foi capaz de aproximar pessoas e criar laços de amizade até nos lugares mais improváveis. Uma delas nasceu em um dos momentos mais conturbados da história política do Brasil.

No dia 1º de abril de 1964, um dia após a instauração do regime militar no país, o Recife começou a sentir os efeitos do golpe. Soldados foram às ruas para dispersar manifestações e cercaram o Palácio do Campo das Princesas, exigindo que o então governador, Miguel Arraes, aceitasse deixar o local e viajasse ao Rio de Janeiro para ir de encontro ao presidente deposto João Goulart. Arraes não concordou, acabou preso e enviado para Fernando de Noronha. Dias depois, um tenente da 2ª Companhia de Guardas do Exército ganhou a incumbência de escoltá-lo da Base Aérea do Recife, onde acabara de chegar, até o quartel da companhia, na Avenida Visconde de Suassuna. Nesse ínterim, Pelópidas também foi cassado, preso, e levado ao mesmo local pelos militares. Mal sabia o tenente Carlito Lima que ali começaria uma improvável relação de amizade que duraria para o resto da vida.

A sede da 2ª Companhia de Guardas abrigou durante oito meses a nata da intelectualidade e da classe política recifense em duas celas pequenas, concebidas para cinco presos cada uma. Francisco Julião (advogado das ligas camponesas), Gregório Bezerra (político), Paulo Freire (educador), Gibraldo Moura Coelho (advogado), Alfredo Ferreira Filho (comerciante), Paulo Cavalcante (promotor), Agassis de Almeida (deputado) e Marcos Botlem (engenheiro) eram alguns dos ilustres presos políticos que preenchiam o espaço na companhia de Arraes e Pelópidas Silveira.

Foi justamente essa efervescência de “mentes brilhantes” que fez o militar se aproximar de Pelópidas e de seus colegas. “Era responsável pelas duas celas e comecei a ter um contato mais próximo com todos eles. Passávamos o dia conversando e eles acabaram se tornando meus amigos. Me lembro especialmente da relação de amizade com Pelópidas. Ele me fez ver com outros olhos aquele momento político conturbado que o país vivia. Dizia: ‘leia isso, leia aquilo’. Quando saiu o Ato Institucional nº 1, vi que ele estava certo sobre quem eram os mocinhos e quem eram os vilões”, conta o tenente Carlito Lima, que depois acabou virando capitão antes de deixar o Exército e se dedicar à vida política.
Pelópidas, Arraes e Carlito durante laçamento do livro Confissões de um capitão, em 2001 (Divulgação)
Pelópidas, Arraes e Carlito durante laçamento do livro Confissões de um capitão, em 2001
Da relação com Pelópidas, Arraes e os outros presos políticos, surgiu um dos livros de maior repercussão nacional sobre o tema no início do século. Em 2001, Carlito Lima lançou Confissões de um capitão, onde relata a convivência diária com os presos. No lançamento do livro no Recife, o ex-militar teve uma grata surpresa. “Quando cheguei, vi Pelópidas e seus familiares, com quem também construí uma bela relação de amizade. Logo depois, chegou doutor Arraes. Foi uma homenagem que me emocionou bastante”, confessa. Dois anos antes, Carlito havia decidido se filiar ao PSB e teve sua ficha abonada pelo governador. Daí em diante, ficou conhecido como o “carcereiro de Arraes”.

Pequenas intervenções, grande marca

Apesar de ser reconhecido como um prefeito que contribuiu de forma decisiva para o desenvolvimento urbanístico do Recife, com a realização de grandes obras, foram as pequenas intervenções que fizeram de Pelópidas Silveira, segundo quem conviveu com ele, um gestor exemplar e um homem à frente de seu tempo. Uma das marcas de seu governo, foi a criação das Associações de Bairro, que precedeu programas de administrações posteriores, como o Prefeitura dos Bairros (Jarbas Vasconcelos), Orçamento Participativo (João Paulo e João da Costa 2009) e Todos por Pernambuco (Eduardo Campos). 

Nos anos 40, 50 e 60 quando esteve por três vezes à frente da prefeitura, políticos não costumavam ir às ruas ouvir a população e fiscalizar o andamento de intervenções. “Pelópidas fazia audiências no Teatro de Santa Isabel para ouvir a população e também ia aos bairros mais afastados para saber o que era prioritário. Como engenheiro, também fazia questão de vistoriar e acompanhar a execução das obras”, relembra a urbanista Virgínia Pontual, professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que elaborou sua tese de doutorado na USP, em 1998, sobre as gestões de Pelópidas Silveira.

Mesmo tendo desenvolvido ações essenciais para a cidade, como o alargamento da Conde da Boa Vista e a criação da Companhia de Transportes Urbanos (CTU), a urbanista acredita que foi no subúrbio que o ex-prefeito deixou sua maior marca. “Ele elaborou o código de urbanismo, abriu córregos, pavimentou ruas, fez obras de drenagem e canais também. Outra marca importante foi a revitalização de parques e jardins, inclusive alguns com a assinatura de Burle Marx”, assevera Virgínia.

Pelópidas foi prefeito do Recife pela primeira vez em 1946, quando foi indicado para o cargo pelo interventor José Domingues da Silva. Só voltaria ao poder uma década depois, após vencer as eleições em 1955, amparado pela Frente Popular do Recife, que era composta por partidos como o PSB e o PTB. Em 1963, voltou a sair vitorioso das urnas, mas com o golpe 1964 acabou deposto e preso. Após o regime, nunca mais se candidatou a um cargo público. Morreu em 2008, de falência múltipla dos órgãos, no Hospital Memorial São José.

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