Publicado na DW.
Mais de 80 pessoas foram mortas, vítimas de substâncias químicas, em Khan Cheikhoun, na província de Idlib, na Síria. Essa é uma das poucas certezas existentes sobre a tragédia que motivou a intervenção militar lançada pelos Estados Unidos nesta sexta-feira (07/04).
Potências ocidentais, testemunhas, ONGs que atuam no terreno e rebeldes sírios culpam exclusivamente o ditador Bashar al-Assad pelo que teria sido um bombardeio químico. A acusação é rechaçada por Damasco e sua aliada Rússia.
“O regime sírio parece não ter um motivo convincente”, acredita Günther Meyer, diretor do Centro de Pesquisa para o Mundo Árabe na Universidade Johannes Gutenberg, em Mainz. “Somente grupos de oposição armados poderiam lucrar com um ataque com armas químicas”, avalia. “Com as costas contra a parede, eles não têm quase nenhuma chance de se opor militarmente ao regime.”
“Tais empregos de armas químicas só favorecem os grupos anti-Assad”, acrescenta o especialista. Declarações e decisões recentes do presidente americano, como o ataque de retaliação dos EUA contra uma base militar síria nesta sexta-feira, podem ser um indício disso.
Em 2012, Barack Obama traçou uma “linha vermelha”: “Temos sido muito claros em relação ao regime de Assad, mas também com relação a outros partidos do conflito, que uma linha vermelha para nós é quando começarmos a ver um monte de armas químicas se movendo ou sendo utilizadas. Isso mudaria meu cálculo”, disse o então presidente americano. Meyer considera a declaração um convite para os adversários de Assad empregarem armas químicas, responsabilizando o regime Assad.
Ataque de 2013: lógica a favor de Assad
Em 2014, o jornalista investigativo Seymour Hersh relatou sobre a capacidade das forças oposicionistas de usarem armas químicas. Em artigo para o periódico britânico London Review of Books, Hersh citava documentos da Agência de Inteligência de Defesa (DIA), a organização de espionagem própria do Pentágono.
Eles sugeriam que a Frente al-Nusra, então braço sírio da rede terrorista Al Qaeda, tinha acesso ao gás sarin, que afeta o sistema nervoso e é altamente tóxico. De acordo com Hershm, o ataque com armas químicas no subúrbio de Damasco, Ghouta, em agosto de 2013, que fora atribuído a Assad, foi realizado por rebeldes. Eles queriam que Washington presumisse que Assad havia cruzado a “linha vermelha” de Obama, atraindo os EUA para uma guerra.
O então diretor de Inteligência Nacional de Obama, James Clapper, conseguiu dissuadir o presidente de ordenar um ataque com mísseis de cruzeiro, segundo consta de um livro recém-publicado pelo especialista em Oriente Médio Michael Lüders. Presumivelmente, um fator decisivo foi uma análise das armas químicas usadas em Ghouta, conduzidas por um laboratório militar britânico, que descobriu que o gás era de uma composição diferente da substância que o Exército sírio possuía.
“O ataque ocorreu enquanto os inspetores de armas da ONU estavam no país a convite de Assad”, lembra Meyer. O líder sírio lhes pediu que investigassem um ataque de armas químicas de março de 2013 fora de Aleppo, que matou soldados sírios. “Não faz sentido o regime executar um ataque tendo os inspetores no país”, deduz o especialista.
“Arma atômica de pobre”
O ex-inspetor de armas Richard Lloyd e o professor do Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT) Theodore Postol também lançaram dúvidas sobre o papel de Assad no ataque de Ghouta. Eles informaram em 2014 que as armas químicas só poderiam ter sido disparadas de um território controlado pelos rebeldes, pois seu alcance máximo era de 2,5 quilômetros.
No momento do ataque Ghouta, o governo sírio tinha acesso a cerca de 600 toneladas de material necessário para fazer sarin e gás mostarda. “O estoque era para contrabalançar o arsenal nuclear de Israel”, sublinha Meyer. “Israel tem cerca de 200 armas nucleares, segundo estimativas”, ressalta. “As armas químicas são uma espécie de arma atômica de pobre.”
Em agosto de 2014, os EUA informaram que os arsenais químicos haviam sido destruídos – embora, em meio ao estado de confusão numa zona de guerra, seja impossível descartar que alguns estoques tenham sido preservados em algum lugar.
Pergunta ainda em aberto
Ninguém é capaz de dizer como a situação evoluiu desde a avaliação do DIA em 2013 sobre as armas da Frente al-Nusra. Em 2016, o grupo extremista anunciou sua separação da Al Qaeda e mudou o nome para Frente Fateh al-Sham (Conquista do Levante, em árabe).
“Hoje, a organização é o grupo rebelde mais importante na província síria de Idlib”, informa Günther Meyer. “Junto com outros extremistas jihadistas, se transformou no governante de fato de Idlib.”
Sem dúvida, Bashar al-Assad não tem tido escrúpulos na escolha dos meios para assegurar o próprio poder. Ainda assim, cabe se perguntar por que o ditador voltaria a contra si opinião pública mundial, justamente num momento em que esta começa a aceitá-lo como presidente da Síria. Seria bom encontrar uma resposta plausível para essa pergunta, antes de se deixar arrastar a ações precipitadas.
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