Por: Aline Moura - Diario de Pernambuco
Publicado em: 31/05/2017 22:11
Gilberto esteve no Vaticano cerca de 50 vezes desde 2013, quando se elegeu para presidir a Frater. Ele se reúne com o Papa Francisco cerca de seis vezes ao ano. Já encontrou Bento 16 pelo menos 30 vezes, e chama João Paulo 2º de homem santo. A Frater foi criada na época de João Paulo 2º. Foto: Obra de Maria/divulgação |
Filho de um marceneiro e uma dona de casa. Natural de Boca de Dois Rios, comunidade que fica na divisa entre os municípios de Surubim e Bom Jardim, no interior do estado. Nascido com ajuda de uma parteira, numa Sexta-feira da Paixão, no dia 12 de abril de 1968. Carismático, sorridente e cristão. Um homem que circula entre os corredores suntuosos do Vaticano, na Itália, e as estradas de chão batido da África. A descrição é de Gilberto Gomes Barbosa, 49 anos. Hoje, o %u201Cmatuto%u201D do Agreste pernambucano é um dos organizadores do Jubileu de Ouro da Renovação Carismática, que terá início a partir do dia 31, em Roma, a capital italiana. Gilberto ocupa o mais alto posto que um leigo poderia ter na hierarquia da Igreja Católica como presidente da Fraternidade Internacional das Novas Comunidades de Vida e Aliança de Direito Pontífico (Frater). Ele é o primeiro brasileiro a exercer essa função e está no segundo mandato.
Essa é a história do leigo de maior influência da Igreja Católica no mundo, que se encontra com o papa cerca de seis vezes ao ano, representa aqueles que se sentam nos bancos da Igreja e seguem o mesmo credo. A Frater foi criada pelo Conselho Pontifício para os leigos, em novembro de 1990, com o objetivo de integrar cerca de três mil novas comunidades ligadas à Renovação Carismática Católica do mundo. No Brasil, estima-se uma população de católicos carismáticos de 3,8 milhões, todos influenciados pelo pernambucano.
Gilberto usa uma medalha no peito com a imagem do Cristo Crucificado no Calvário, ao lado de Maria e o discípulo João aos pés da cruz. De forma tímida, ele aperta as mãos ao contar as histórias de Deus, fixa os olhos para o alto, como se estivesse sonhando, e sorri como se fosse menino do interior. A receita para não se perder entre a suntuosidade do Vaticano e as missões que realiza na África, através da Obra de Maria, do qual é fundador, é simples: dedicação ao que ele chama de %u201Cmistério do sofrimento%u201D. Ao longo da vida, Gilberto já se encontrou com três papas - João Paulo 2º, Bento 16 e Francisco. Fez cerca de 50 viagens ao Vaticano, desde 2013, e já visitou a África aproximadamente 50 vezes.
"Eu amo a África", conta Gilberto, que já esteve em vários países do continente, onde a Obra de Maria realiza missões religiosas e humanitárias. Foto: Obra de Maria/divulgação |
%u201CO mesmo carinho que eu vou para um hotel cinco estrelas,
eu sinto quando durmo no chão da África, sem luz, sem água
encanada. Eu amo a África. O mesmo avião que eu saio daqui para
ir a Roma, vou com a mesma felicidade à África%u201D, conta
Gilberto, que conversou por quase duas horas com a equipe do
Diario, na sede da Obra de Maria que fica na Várzea, Zona Oeste
do Recife. Lá, naquele bairro, ele começou o ministério que o
tornou conhecido no Brasil e no mundo, no início da década de 1990.
A Obra de Maria surgiu num casarão da Várzea, de cores azul e
A Obra de Maria surgiu num casarão da Várzea, de cores azul e
branco, como as do manto da mãe de Jesus, e hoje se estendeu para
17 países, entre eles, Moçambique, Costa do Marfim, Angola e
Cabo Verde. A instituição foi fundada por Gilberto com ajuda de
Maria Salomé, co-fundadora, cerca de cinco anos depois que ele
começou a frequentar a Canção Nova, no município de Paulista.
O religioso passava de ônibus quando avistou o casarão que não
tinha sequer portas e resolveu que, ali, seria um espaço para servir a
Deus. Todas as modificações no imóvel aconteceram de forma
quase milagrosa. A Obra de Maria tem cerca de 2,7 mil
missionários e é expoente da Renovação Carismática de
Pernambuco.
O %u201Cmatuto%u201D, como ele mesmo diz com orgulho,
O %u201Cmatuto%u201D, como ele mesmo diz com orgulho,
estudou no Colégio Antônio Farias, em Surubim, e sempre tirou
notas boas. Veio morar no Recife aos 14 anos para trabalhar e
estudar, no ano de 1983. Para isso, teve de conseguir a autorização
do pai, Arnóbio Gomes Barbosa, hoje falecido. A mãe, Ester José
dos Santos, foi quem convenceu o marido a dar asas ao filho, que
atualmente é conhecido no mundo. %u201CEle está bem
guardado%u201D, avisou Ester para convencer o marido.
Gilberto ouviu a conversa enquanto tentava dormir num quarto com
mais sete irmãos. Os outros sete ficavam no cômodo vizinho. Mal
não faria, pensou a mãe, se o menino fosse morar no Recife com os
tios. A vida em Surubim não era Severina, mas não era fácil.
%u201CEu vou te contar um segredo%u201D, confessa Gilberto à
%u201CEu vou te contar um segredo%u201D, confessa Gilberto à
reportagem, com a mão no queixo. %u201CEu nasci em Bom
Jardim, mas o povo de Surubim não pode ficar triste. Minha mãe
teve 14 filhos e todos, exceto eu, nasceram em Surubim. Eu nasci
em Boca de Dois Rios, uma vila do interior muito próxima de
Surubim e muito longe de Bom Jardim. Uma madrinha me disse, há
pouco tempo, que eu nasci em casa, em Boca de Dois Rios
(%u2026), não deu tempo de chegar no hospital. Mas depois de
tantos anos falando uma coisa, desfazer seria muito difícil. Então,
eu digo que sou de Surubim e de Bom Jardim. Todo mundo fica
feliz. Minha história foi nas duas cidades e eu me sinto parte de
cada uma%u201D, conta, pedindo compreensão e sorrindo.
Quando menino, o maior sonho de Gilberto era morar na capital.
%u201CAh, a capital!%u201D Não sabia ele que tudo ia mudar.
Gostava de se vestir com roupas bonitas e sair com os amigos
depois de uma semana de trabalho - tinha um emprego de office
boy da Microlite, a fábrica de pilhas Rayovac do Curado, e outro na
mercearia do tio Rafael. Gilberto veio morar na Várzea e, desde
estão, o bairro faz parte de sua vida - são 34 anos. %u201CNa
Várzea, eu me encontrei%u201D, conta. %u201CMeu cabelo era
longo, eu gostava muito de dançar, de sair, de fumar. Era jovem do
interior, numa cidade grande%u2026 Queria trabalhar e ter
dinheiro para curtir a vida%u201D, lembra, citando os amigos da
Microlite, dos quais guarda carinho. %u201CEu gostava de sair à
noite. Era a forma que eu encontrei para buscar a felicidade, mas
não como encontrei hoje (%u2026) Cheguei aqui matuto, matuto.
Minha família me deu educação e escola. Mas o mundo da fé era
desconhecido%u201D.
Era um sábado quando Deus preparou um dia para Gilberto. Ele já
A língua universal que mais importa: a caridade
A primeira sede da Obra de Maria foi num casarão antigo no bairro da Várzea, Zona Oeste do Recife, onde Gilberto tem história de vida há 34 anos. Foto: Obra de Maria/divulgação |
O dia que Deus preparou para Gilberto
Era um sábado quando Deus preparou um dia para Gilberto. Ele já
tinha saído da casa dos tios, morava sozinho, e se preparava para
uma balada com os amigos. Todos iam se encontrar no antigo
terminal de ônibus elétrico da Caxangá, na Zona Oeste do Recife.
Nem tudo saiu como planejado. A melhor roupa para a festa que o
jovem pretendia usar estava na casa da tia Rita, também na
Caxangá. O que ele decidiu fazer? Ir buscar. Chegou na residência
dela na hora do jornal das 20h, esperou que a tia enxugasse a calça
no ferro - estava úmida - e saiu em busca da noite. %u201CEu me
preocupava com a aparência%u201D, conta. No meio do caminho,
Gilberto se deparou com uma música que soava de dentro da Igreja
São Vicente de Paulo, no mesmo bairro. Não conseguiu resistir e
entrou - só uns minutinhos não atrapalhariam nada. Era 26 de maio
de 1985, que data! %u201CQuando vi a alegria na Igreja, não dava
nem para perceber, mas veio no corpo todo. Jovem toca
jovem%u201D, descreve, lembrando a animação dos jovens que
cantavam e rezavam naquela noite. Era uma vigília da juventude
carismática, ele não sabia. Gilberto relatou que, quando se
preparava para sair da Igreja e ir à festa, três jovens se
aproximaram e uma delas disse: %u201CDeus ama você%u201D,
e pediu que ele ficasse. É com essa frase, aliás, que ele atende a
todas as ligações que recebe até hoje na sede da Obra de Maria,
instituição pelo qual ficou conhecido no Brasil e no mundo.
%u201CEu fiquei sem graça, mas elas disseram: vamos entrar?
%u201CEu fiquei sem graça, mas elas disseram: vamos entrar?
%u201D Segundo Gilberto, as palavras %u201Cvou
embora%u201D não saíram. Ele aceitou o convite e se sentou no
sexto banco, solitário, nada que chamasse muita atenção. O tempo
passou e, sem perceber, o jovem não conseguia sair da igreja. Ele
não sabia mais das horas, o que facilitou a mudança para o segundo
banco da Igreja. Naquele banco, ainda tímido, ele conseguiu mexer
um pouco mais o corpo e as mãos, sentava-se e levantava-se, num
ritual que se estendeu até o raiar do Sol. %u201CEu tinha chegado
lá umas 22h30 e pensava que fosse meia-noite. Mistério do amor
de Deus. Como diz o salmista: eis o dia em que Deus fez para
mim, alegremo-nos. Quando eu olhei o relógio, eram 6h%u201D.
E tudo era novo para Gilberto. %u201CQuando uma pessoa aceita
Deus, o céu é uma festa na presença dos anjos%u201D.
Fundador da Obra de Maria chamou mais atenção do Papa franciscano quando renunciou a todo luxo oferecido pelo Vaticano para presidir a Frater. Ele prefere morar no Brasil e se conectar com outras comunidades através do Skype. Mas faz viagens a Italia com frequência. Foto: Obra de Maria/divulgação |
A língua universal que mais importa: a caridade
Gilberto Barbosa não domina quatro idiomas, como exige o cargo
que ocupa no Vaticano, onde circulam religiosos de vários povos e
culturas, bispos, cardeais e o próprio papa. Mas a língua universal
da caridade derrubou barreiras e o levou à função que ocupa, onde
chamou a atenção do papa Francisco não só pela dimensão da Obra
de Maria, no Brasil, como pelas renúncias materiais que fez ao
assumir a Frater. O cargo de presidente da fraternidade
internacional lhe dá direito de ter um apartamento, um escritório
com relíquias de santos e um salário de 2,5 mil euros (R$ 9 mil).
O espaço onde ele poderia trabalhar daria para abrigar até 100
pessoas. Não foi necessário. Nada disso, aliás. Gilberto vive com
ajuda da Obra de Maria. %u201CAquelas jovens que falavam para
mim (no dia da conversão) interpretaram as palavras do Evangelho.
Eu não planejei nada, não sonhei nada (%u2026) Quem é fiel no
pouco, Deus o confiará mais. Talvez seja isso. Eu fui fiel nas
pequenas coisas e Deus me confiou grandes coisas%u201D.
Gilberto é formado em filosofia e em teologia no Mosteiro São
Gilberto é formado em filosofia e em teologia no Mosteiro São
Bento.Também é psicanalista, mas é tímido diante das câmeras,
diferentemente do papel que exerce no seu trabalho. Fica um pouco
envergonhado ao falar sobre si, mas sabe que recebeu a missão de
pregar o Evangelho e tem o desafio de dar o testemunho de Deus.
Ele se encontra com o papa Francisco seis vezes ao ano, sendo três
para realizar despachos referentes ao cargo. Faz ponte entre o
Vaticano e representantes da RCC, como os padres Fábio de Melo,
Marcelo Rossi e Reginaldo Manzotti.
No fim do mês, o religioso irá comandar a missão de levar oito mil
No fim do mês, o religioso irá comandar a missão de levar oito mil
brasileiros ao Vaticano para os festejos dos 50 anos de Renovação
Carismática. É motivo de orgulho e elogios? %u201CTodo mundo
se sente bem quando é elogiado, como não? Jesus cobrou gratidão
quando curou dez lemprosos e apenas um voltou para agradecer.
Tudo que somos é tudo que Deus fez em minha vida%u201D, disse
ele, para depois completar. %u201CUm cardeal do Vaticano brinca
comigo. Ele diz: %u2018Gilberto, você tem que entender. Quando
testemunha as maravilhas de Deus, é um exemplo para as pessoas.
Um pouquinho de incenso não faz mal a
ninguém%u2019%u201D.
Sobre as missões que têm no Brasil, e, especialmente na África,
"Eu sou aquele que me identifico com os que sofrem. O mistério do sofrimento me atormenta muito", diz Gilberto, emocionado ao falar de suas missões na África. Foto: Obra de Maria/divulgação |
Sobre as missões que têm no Brasil, e, especialmente na África,
onde a pobreza é mais devastadora, Gilberto ressalta. %u201CEu
sou aquele que me identifico com os que sofrem. O mistério do
sofrimento me atormenta muito. Eu procuro encontrar respostas à
luz da fé, à luz do Evangelho, mas são coisas que me atormentam.
Nada de luxo me comove%u201D, diz ele, o homem que mudou a
vida através do Evangelho.
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