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quinta-feira, 1 de junho de 2017

PERFIL O leigo mais influente do mundo na hierarquia da Igreja Católica é de Pernambuco

Gilberto Gomes Barbosa nasceu na divisa de Surubim e Bom Jardim, no Agreste do estado. Ele renunciou a um salário de cerca R$ 9 mil ao assumir a presidência da Frater, que tem influência sobre 3,8 milhões de católicos carismáticos só no Brasil. "O matuto", como se denomina, é o primeiro brasileiro a ocupar o cargo internacional criado para integrar comunidades carismáticas do mundo.

Por: Aline Moura - Diario de Pernambuco

Publicado em:  31/05/2017 22:11

Gilberto esteve no Vaticano cerca de 50 vezes desde 2013, quando se elegeu para presidir a Frater. Ele se reúne com o Papa Francisco cerca de seis vezes ao ano. Já encontrou Bento 16 pelo menos 30 vezes, e chama João Paulo 2º de homem santo. A Frater foi criada na época de João Paulo 2º. Foto: Obra de Maria/divulgação
Gilberto esteve no Vaticano cerca de 50 vezes desde 2013, quando se elegeu para presidir a Frater. Ele se reúne com o Papa Francisco cerca de seis vezes ao ano. Já encontrou Bento 16 pelo menos 30 vezes, e chama João Paulo 2º de homem santo. A Frater foi criada na época de João Paulo 2º. Foto: Obra de Maria/divulgação

Filho de um marceneiro e uma dona de casa. Natural de Boca de Dois Rios, comunidade que fica na divisa entre os municípios de Surubim e Bom Jardim, no interior do estado. Nascido com ajuda de uma parteira, numa Sexta-feira da Paixão, no dia 12 de abril de 1968. Carismático, sorridente e cristão. Um homem que circula entre os corredores suntuosos do Vaticano, na Itália, e as estradas de chão batido da África. A descrição é de Gilberto Gomes Barbosa, 49 anos. Hoje, o %u201Cmatuto%u201D do Agreste pernambucano é um dos organizadores do Jubileu de Ouro da Renovação Carismática, que terá início a partir do dia 31, em Roma, a capital italiana. Gilberto ocupa o mais alto posto que um leigo poderia ter na hierarquia da Igreja Católica como presidente da Fraternidade Internacional das Novas Comunidades de Vida e Aliança de Direito Pontífico (Frater). Ele é o primeiro brasileiro a exercer essa função e está no segundo mandato. 

Essa é a história do leigo de maior influência da Igreja Católica no mundo, que se encontra com o papa cerca de seis vezes ao ano, representa aqueles que se sentam nos bancos da Igreja e seguem o mesmo credo. A Frater foi criada pelo Conselho Pontifício para os leigos, em novembro de 1990, com o objetivo de integrar cerca de três mil novas comunidades ligadas à Renovação Carismática Católica do mundo. No Brasil, estima-se uma população de católicos carismáticos de 3,8 milhões, todos influenciados pelo pernambucano. 

Gilberto usa uma medalha no peito com a imagem do Cristo Crucificado no Calvário, ao lado de Maria e o discípulo João aos pés da cruz. De forma tímida, ele aperta as mãos ao contar as histórias de Deus, fixa os olhos para o alto, como se estivesse sonhando, e sorri como se fosse menino do interior. A receita para não se perder entre a suntuosidade do Vaticano e as missões que realiza na África, através da Obra de Maria, do qual é fundador, é simples: dedicação ao que ele chama de %u201Cmistério do sofrimento%u201D. Ao longo da vida, Gilberto já se encontrou com três papas - João Paulo 2º, Bento 16 e Francisco. Fez cerca de 50 viagens ao Vaticano, desde 2013, e já visitou a África aproximadamente 50 vezes. 


"Eu amo a África", conta Gilberto, que já esteve em vários países do continente, onde a Obra de Maria realiza missões religiosas e humanitárias. Foto: Obra de Maria/divulgação ("Eu amo a África", conta Gilberto, que já esteve em vários países do continente, onde a Obra de Maria realiza missões religiosas e humanitárias. Foto: Obra de Maria/divulgação)
"Eu amo a África", conta Gilberto, que já esteve em vários países do continente, onde a Obra de Maria realiza missões religiosas e humanitárias. Foto: Obra de Maria/divulgação

%u201CO mesmo carinho que eu vou para um hotel cinco estrelas,

 eu sinto quando durmo no chão da África, sem luz, sem água 

encanada. Eu amo a África. O mesmo avião que eu saio daqui para 

ir a Roma, vou com a mesma felicidade à África%u201D, conta 

Gilberto, que conversou por quase duas horas com a equipe do 

Diario, na sede da Obra de Maria que fica na Várzea, Zona Oeste

 do Recife. Lá, naquele bairro, ele começou o ministério que o 

tornou conhecido no Brasil e no mundo, no início da década de 1990.

A Obra de Maria surgiu num casarão da Várzea, de cores azul e 

branco, como as do manto da mãe de Jesus, e hoje se estendeu para 

17 países, entre eles, Moçambique, Costa do Marfim, Angola e 

Cabo Verde. A instituição foi fundada por Gilberto com ajuda de 

Maria Salomé, co-fundadora, cerca de cinco anos depois que ele 

começou a frequentar a Canção Nova, no município de Paulista. 

O religioso passava de ônibus quando avistou o casarão que não 

tinha sequer portas e resolveu que, ali, seria um espaço para servir a 
Deus. Todas as modificações no imóvel aconteceram de forma 

quase milagrosa. A Obra de Maria tem cerca  de 2,7 mil 

missionários e é expoente da Renovação Carismática de 

Pernambuco.

O %u201Cmatuto%u201D, como ele mesmo diz com orgulho, 

estudou no Colégio Antônio Farias, em Surubim, e sempre tirou 

notas boas. Veio morar no Recife aos 14 anos para trabalhar e 

estudar, no ano de 1983. Para isso, teve de conseguir a autorização 

do pai, Arnóbio Gomes Barbosa, hoje falecido. A mãe, Ester José 

dos Santos, foi quem convenceu o marido a dar asas ao filho, que 

atualmente é conhecido no mundo. %u201CEle está bem 

guardado%u201D, avisou Ester para convencer o marido. 

Gilberto ouviu a conversa enquanto tentava dormir num quarto com

 mais sete irmãos. Os outros sete ficavam no cômodo vizinho. Mal
 
não faria, pensou a mãe, se o menino fosse morar no Recife com os

 tios. A vida em Surubim não era Severina, mas não era fácil.

%u201CEu vou te contar um segredo%u201D, confessa Gilberto à 

reportagem, com a mão no queixo. %u201CEu nasci em Bom 

Jardim, mas o povo de Surubim não pode ficar triste. Minha mãe 

teve 14 filhos e todos, exceto eu, nasceram em Surubim. Eu nasci
 
em Boca de Dois Rios, uma vila do interior muito próxima de 

Surubim e muito longe de Bom Jardim. Uma madrinha me disse, há 
pouco tempo, que eu nasci em casa, em Boca de Dois Rios 

(%u2026), não deu tempo de chegar no hospital. Mas depois de 

tantos anos falando uma coisa, desfazer seria muito difícil. Então,

 eu digo que sou de Surubim e de Bom Jardim. Todo mundo fica 

feliz. Minha história foi nas duas cidades e eu me sinto parte de 

cada uma%u201D, conta, pedindo compreensão e sorrindo.


Quando menino, o maior sonho de Gilberto era morar na capital. 

%u201CAh, a capital!%u201D Não sabia ele que tudo ia mudar. 

Gostava de se vestir com roupas bonitas e sair com os amigos 

depois de uma semana de trabalho - tinha um emprego de office
 
boy da Microlite, a fábrica de pilhas Rayovac do Curado, e outro na 

mercearia do tio Rafael. Gilberto veio morar na Várzea e, desde 

estão, o bairro faz parte de sua vida - são 34 anos. %u201CNa 

Várzea, eu me encontrei%u201D, conta. %u201CMeu cabelo era 

longo, eu gostava muito de dançar, de sair, de fumar. Era jovem do

 interior, numa cidade grande%u2026 Queria trabalhar e ter 

dinheiro para curtir a vida%u201D, lembra, citando os amigos da 

Microlite, dos quais guarda carinho. %u201CEu gostava de sair à 

noite. Era a forma que eu encontrei para buscar a felicidade, mas 

não como encontrei hoje (%u2026) Cheguei aqui matuto, matuto. 

Minha família me deu educação e escola. Mas o mundo da fé era 

desconhecido%u201D.
A primeira sede da Obra de Maria foi num casarão antigo no bairro da Várzea, Zona Oeste do Recife, onde Gilberto tem história de vida há 34 anos. Foto: Obra de Maria/divulgação (A primeira sede da Obra de Maria foi num casarão antigo no bairro da Várzea, Zona Oeste do Recife, onde Gilberto tem história de vida há 34 anos. Foto: Obra de Maria/divulgação)
A primeira sede da Obra de Maria foi num casarão antigo no bairro da Várzea, Zona Oeste do Recife, onde Gilberto tem história de vida há 34 anos. Foto: Obra de Maria/divulgação
O dia que Deus preparou para Gilberto

Era um sábado quando Deus preparou um dia para Gilberto. Ele já
 tinha saído da casa dos tios, morava sozinho, e se preparava para 
uma balada com os amigos. Todos iam se encontrar no antigo 
terminal de ônibus elétrico da Caxangá, na Zona Oeste do Recife.
 Nem tudo saiu como planejado. A melhor roupa para a festa que o 
jovem pretendia usar estava na casa da tia Rita, também na 
Caxangá. O que ele decidiu fazer? Ir buscar. Chegou na residência 
dela na hora do jornal das 20h, esperou que a tia enxugasse a calça
 no ferro - estava úmida - e saiu em busca da noite. %u201CEu me 
preocupava com a aparência%u201D, conta. No meio do caminho,
 Gilberto se deparou com uma música que soava de dentro da Igreja
 São Vicente de Paulo, no mesmo bairro. Não conseguiu resistir e 
entrou - só uns minutinhos não atrapalhariam nada. Era 26 de maio 
de 1985, que data! %u201CQuando vi a alegria na Igreja, não dava
 nem para perceber, mas veio no corpo todo. Jovem toca 
jovem%u201D, descreve, lembrando a animação dos jovens que 
cantavam e rezavam naquela noite. Era uma vigília da juventude 
carismática, ele não sabia. Gilberto relatou que, quando se 
preparava para sair da Igreja e ir à festa, três jovens se 
aproximaram e uma delas disse: %u201CDeus ama você%u201D, 
e pediu que ele ficasse. É com essa frase, aliás, que ele atende a 
todas as ligações que recebe até hoje na sede da Obra de Maria, 
instituição pelo qual ficou conhecido no Brasil e no mundo. 

%u201CEu fiquei sem graça, mas elas disseram: vamos entrar?
%u201D Segundo Gilberto, as palavras %u201Cvou 
embora%u201D não saíram. Ele aceitou o convite e se sentou no 
sexto banco, solitário, nada que chamasse muita atenção. O tempo 
passou e, sem perceber, o jovem não conseguia sair da igreja. Ele 
não sabia mais das horas, o que facilitou a mudança para o segundo
 banco da Igreja. Naquele banco, ainda tímido, ele conseguiu mexer 
um pouco mais o corpo e as mãos, sentava-se e levantava-se, num 
ritual que se estendeu até o raiar do Sol. %u201CEu tinha chegado
 lá umas 22h30 e pensava que fosse meia-noite. Mistério do amor 
de Deus.  Como diz o salmista: eis o dia em que Deus fez para 
mim, alegremo-nos. Quando eu olhei o relógio, eram 6h%u201D. 
E tudo era novo para Gilberto. %u201CQuando uma pessoa aceita 
Deus, o céu é uma festa na presença dos anjos%u201D.

Fundador da Obra de Maria chamou mais atenção do Papa franciscano quando renunciou a todo luxo oferecido pelo Vaticano para presidir a Frater. Ele prefere morar no Brasil e se conectar com outras comunidades através do Skype. Mas faz viagens a Italia com frequência. Foto: Obra de Maria/divulgação (Fundador da Obra de Maria chamou mais atenção do Papa franciscano quando renunciou a todo luxo oferecido pelo Vaticano para presidir a Frater. Ele prefere morar no Brasil e se conectar com outras comunidades através do Skype. Mas faz viagens a Italia com frequência. Foto: Obra de Maria/divulgação)
Fundador da Obra de Maria chamou mais atenção do Papa franciscano quando renunciou a todo luxo oferecido pelo Vaticano para presidir a Frater. Ele prefere morar no Brasil e se conectar com outras comunidades através do Skype. Mas faz viagens a Italia com frequência. Foto: Obra de Maria/divulgação

A língua universal que mais importa: a caridade

Gilberto Barbosa não domina quatro idiomas, como exige o cargo
 que ocupa no Vaticano, onde circulam religiosos de vários povos e
 culturas, bispos, cardeais e o próprio papa. Mas a língua universal 
da caridade derrubou barreiras e o levou à função que ocupa, onde 
chamou a atenção do papa Francisco não só pela dimensão da Obra 
de Maria, no Brasil, como pelas renúncias materiais que fez ao 
assumir a Frater. O cargo de presidente da fraternidade 
internacional lhe dá direito de ter um apartamento, um escritório 

com relíquias de santos e um salário de 2,5 mil euros (R$ 9 mil). 

O espaço onde ele poderia trabalhar daria para abrigar até 100 

pessoas. Não foi necessário. Nada disso, aliás. Gilberto vive com 

ajuda da Obra de Maria. %u201CAquelas jovens que falavam para 

mim (no dia da conversão) interpretaram as palavras do Evangelho.
 Eu não planejei nada, não sonhei nada (%u2026) Quem é fiel no

 pouco, Deus o confiará mais. Talvez seja isso. Eu fui fiel nas 

pequenas coisas e Deus me confiou grandes coisas%u201D. 

Gilberto é formado em filosofia e em teologia no Mosteiro São 

Bento.Também é psicanalista, mas é tímido diante das câmeras, 

diferentemente do papel que exerce no seu trabalho. Fica um pouco

 envergonhado ao falar sobre si, mas sabe que recebeu a missão de 

pregar o Evangelho e tem o desafio de dar o testemunho de Deus. 

Ele se encontra com o papa Francisco seis vezes ao ano, sendo três 
para realizar despachos referentes ao cargo. Faz ponte entre o
 
Vaticano e representantes da RCC, como os padres Fábio de Melo,

 Marcelo Rossi e Reginaldo Manzotti. 

No fim do mês, o religioso irá comandar a missão de levar oito mil 

brasileiros ao Vaticano para os festejos dos 50 anos de Renovação 

Carismática. É motivo de orgulho e elogios? %u201CTodo mundo

 se sente bem quando é elogiado, como não? Jesus cobrou gratidão 

quando curou dez lemprosos e apenas um voltou para agradecer. 

Tudo que somos é tudo que Deus fez em minha vida%u201D, disse

 ele, para depois completar. %u201CUm cardeal do Vaticano brinca 
comigo. Ele diz: %u2018Gilberto, você tem que entender. Quando
 testemunha as maravilhas de Deus, é um exemplo para as pessoas.
 Um pouquinho de incenso não faz mal a

 ninguém%u2019%u201D.
"Eu sou aquele que me identifico com os que sofrem. O mistério do sofrimento me atormenta muito", diz Gilberto, emocionado ao falar de suas missões na África. Foto: Obra de Maria/divulgação
"Eu sou aquele que me identifico com os que sofrem. O mistério do sofrimento me atormenta muito", diz Gilberto, emocionado ao falar de suas missões na África. Foto: Obra de Maria/divulgação

Sobre as missões que têm no Brasil, e, especialmente na África,
 
onde a pobreza é mais devastadora, Gilberto ressalta. %u201CEu

 sou aquele que me identifico com os que sofrem. O mistério do 

sofrimento me atormenta muito. Eu procuro encontrar respostas à 

luz da fé, à luz do Evangelho, mas são coisas que me atormentam.

 Nada de luxo me comove%u201D, diz ele, o homem que mudou a

 vida através do Evangelho. 



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