Passageira cega ganhou a ação em primeira instância por ter sido constrangida em 2011
Publicado em 03/01/2016, às 09h00
A falta de urbanidade dos motoristas de ônibus, definição sutil para a má educação dos condutores em relação aos passageiros, pode custar caro para o transporte público de passageiros da Região Metropolitana do Recife. A Empresa Borborema, uma das 19 operadoras do sistema, foi condenada pela Justiça em Pernambuco a pagar a quantia de R$ 50 mil a uma passageira cega por danos morais. A usuária teria sido humilhada, constrangida e perseguida por um motorista da linha Setúbal–Conde da Boa Vista, em 2011.
Cabe recurso à sentença, dada em primeira instância pela juíza Dilza Christine Lundgren de Barros, da 8ª Vara Cível da Capital. Foi a magistrada, inclusive, quem definiu o valor a ser pago. Financeiramente, o ônus é da Borborema, mas moralmente o impacto recai sobre o transporte público da RMR, gerenciado pelo governo do Estado através do Grande Recife Consórcio de Transporte. Isso porque a chamada falta de urbanidade dos motoristas é uma das reclamações mais comuns feitas à central de atendimento do órgão.
Ela ocupa o terceiro lugar no ranking. Das 11.696 reclamações entre janeiro e o dia 29 de dezembro, 1.575 registros eram em relação à falta de urbanidade dos motoristas. E, desse total, 401 ligações foram de pessoas com deficiência, como a servidora pública federal Lucineia Rodrigues de Oliveira, autora da ação por danos morais contra a Borborema. Entre as queixas, a falta de urbanidade perde apenas para o não cumprimento do quadro de horário, com 3.778 ligações, e para a queima de parada, com 2.139 registros.
“Minha cliente sofreu muito e essa decisão tem muita importância por envolver o direito do consumidor, do deficiente visual e, sobretudo, em razão do conhecido tratamento dispensado pelas empresas de ônibus aos consumidores. Também levanta um aspecto importante, que é a necessidade de contínuo treinamento dos motoristas e demais funcionários das empresas para com os clientes cegos”, argumenta o advogado Oderson Acioli, que representa a passageira.
Tudo teria começado, como explica o advogado, em 2011, quando a servidora embarcou no coletivo da linha Setúbal–Conde da Boa Vista, na parada que existia em frente à Auditoria Militar, onde a vítima trabalhava. Ao entrar no veículo, o motorista exigiu a carteira de livre acesso – na época não estava implantado o VEM Livre Acesso, que permite ao beneficiário da gratuidade passar a catraca. “Ela não tinha conseguido renovar a carteira e tentou explicar ao motorista, que já foi destratando-a, aos gritos. Ela ainda se ofereceu para pagar a passagem, mas ele também não aceitou. Foi preciso outros passageiros intervirem para que ela permanecesse no veículo. Isso tudo sendo visivelmente cega, inclusive usando uma guia”, relata Acioli.
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Os constrangimentos, segundo a versão da passageira, não pararam por aí. Se repetiram por 20 dias, até que ela conseguiu mudar de emprego e pouco tempo depois ir embora de Pernambuco. “Como o horário de saída era sempre o mesmo, frequentemente minha cliente pegava o motorista. O condutor começou a queimar a parada quando a via e a constrangê-la quando a mesma entrava no coletivo. Ela chegou a ser escoltada por militares, até que a situação ficou insustentável e os amigos do trabalho decidiram oferecer carona para por fim àquela situação humilhante”, conta.
Lucineia Rodrigues de Oliveira, entretanto, nunca personificou a ação. Não processou o motorista, apenas a Borborema.
“Ela entendeu e entende até hoje que o condutor é tão vítima quanto ela. Que agiu daquela forma como resultado de uma jornada estressante, desumana, de cobranças e péssimas condições de trabalho”,
explica Oderson Acioli. De fato, 2011 foi um ano de muitos flagrantes de uso indevido da gratuidade de livre acesso nos ônibus porque o sistema ainda não era eletrônico, com a exigência da validação da biometria digital. Por isso, a pressão das empresas sobre os operadores era grande para evitar as fraudes.
Procurada pela reportagem, a Borborema afirmou ainda não ter sido notificada da sentença e, por isso, não iria se pronunciar. Já o Grande Recife Consórcio explicou que se trata de uma relação privada e, por isso, não pode intervir. O que faz, como gestor, é autuar com baixas notas de avaliação as empresas conforme as denúncias feitas pelos usuários se comprovem. Entre janeiro e novembro deste ano foram 1.871 autuações.
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