O parágrafo em questão está na lei 12.462, de 4 de agosto de 2011 - a chamada Lei da Copa -, que definiu o regime diferenciado de contratações públicas para a realização da Olimpíada/Paraolimpíada
Por: Agência Estado
Publicado em: 31/01/2016 10:11
Uma ação direta de inconstitucionalidade que tramita no Supremo Tribunal Federal - a ADI 4708, do Ministério Público Federal - questiona se a presidente Dilma Rousseff desrespeitou ou não a Constituição ao sancionar, numa lei de 70 artigos, um parágrafo que regulamentou a Polícia Ferroviária Federal (PFF). O parágrafo em questão está na lei 12.462, de 4 de agosto de 2011 - a chamada Lei da Copa -, que definiu o regime diferenciado de contratações públicas para a realização da Olimpíada/Paraolimpíada deste ano e da Copa de 2014. O relator, desde novembro de 2011, é o ministro Luiz Fux.
Criada pela Constituição de 1988, a PFF nunca entrou nos trilhos. Os autocandidatos a integrá-la, desde o governo Sarney, são os agentes de segurança da extinta Rede Ferroviária Federal (Rede), da Companhia Brasileira de Transportes Urbanos (CBTU) e da Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre (Trensurb).
Nas três, o regime trabalhista é o da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Os agentes de segurança - cerca de 1.100 - são representados por uma Comissão Nacional. Seu objetivo é guindá-los a policiais ferroviários federais - funcionários públicos, portanto - sem fazer concurso público.
O parágrafo que o MPF considera inconstitucional nasceu de uma “emenda jabuti” - como são chamados os contrabandos legislativos que juntam alhos a bugalhos, proibidos pelo STF em outubro do ano passado.
Tem cinco linhas: “Os profissionais da Segurança Pública Ferroviária oriundos do grupo Rede, Rede Ferroviária Federal (RFFSA), da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) e da Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre (Trensurb) que estavam em exercício em 11 de dezembro de 1990, passam a integrar o Departamento de Polícia Ferroviária Federal do Ministério da Justiça.”
Em novembro de 2011, o então procurador-geral da República, Roberto Gurgel, entrou com a Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a sanção da presidente da República. Gurgel argui, principalmente, que a Constituição exige concurso público para o provimento dos cargos.
Também era esta a posição da Advocacia Geral da União (AGU) - até a entrada da ADI. Depois, a AGU passou a afirmar que o parágrafo é constitucional.
O Ministério da Justiça - a quem caberia a incorporação da categoria - aguarda uma decisão do STF. “Estou de mãos atadas para cumprir o que a lei determina”, disse ao Estadão o ministro José Eduardo Cardozo. “Mesmo que esses cargos estivessem criados - e não estão - existe o princípio constitucional da exigência do concurso público, que uma lei não pode mudar”, afirmou.
Parecer - Em fevereiro de 2009 - no segundo mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, entusiasta da reivindicação -, a comissão nacional oficializou, na AGU, o pedido para a estruturação da PFF no Ministério da Justiça, com o aproveitamento dos agentes de segurança.
Foram criados dois grupos de trabalho. Inúmeros relatórios e reuniões depois, a Consultoria-Geral da União, subordinada à AGU deu seu parecer.
Ele foi assinado em 14 de dezembro de 2009, pela consultora Alda Freire de Carvalho: “Não há possibilidade jurídica para o aproveitamento dos requerentes na carreira de policial ferroviário federal, função eminentemente de Estado que requer prévio concurso público, nos moldes do artigo 37 da Constituição da República.”
O parecer foi avalizado pelo consultor-geral da União, Ronaldo Vieira Júnior, e, por último, pelo tanto ontem como hoje advogado-geral da União, ministro Luís Inácio Adams. Até Lula sair da presidência o trem não andou. Mas o lobby sim.
“Eles já trouxeram a solução pronta”, contou o petista João Paulo Cunha quando ainda era deputado federal por São Paulo - hoje ele está em prisão domiciliar por ter sido condenado na Ação Penal 470, mais conhecida por mensalão. “Como eu acho a causa justa, acatei e encaminhei.”
Eles, no caso, é a Comissão Nacional pró-PFF. A “solução pronta” foi uma emenda jabuti à Medida Provisória 527, que alterava a organização da Presidência da República e dos Ministérios.
A presidente Dilma Rousseff a mandou para o Congresso em março de 2011. Ao tratar do Ministério da Justiça, a MP incluía, como um de seus órgãos, o Departamento de Polícia Ferroviária Federal. Transformada a MP em lei, era só aguardar que o governo abrisse concurso público para preencher as vagas do novo DPFF.
Encaixe - A emenda levada a João Paulo Cunha lotava no DPFF, em primeira viagem, os agentes de segurança celetistas das três empresas ferroviárias. Acatada e encaminhada, ela encaixou-se como um parágrafo-jabuti em uma emenda aditiva à MP 527. “Nada mais justo que efetivar primeiro os que já estavam no sistema - e depois fazer concurso público para os novos”, disse ao Estado o senador Paulo Paim (PT-RS), outro baluarte no apoio à categoria.
Paim ainda se emociona com a lembrança de uma foto de 2012 - onde confraterniza com dezenas de candidatos à PFF. “É uma luta justa”, afirmou o senador. “Ao sancionar o parágrafo, a presidente Dilma deu um grande sinal para valorizar o sucateado sistema ferroviário brasileiro.”
É comum, antes de sancionar uma lei, que a Presidência da República consulte a Advocacia Geral da União. É o que foi feito com a 12.462. A AGU reiterou, então, que o parágrafo era inconstitucional. Mesmo assim, exercendo seu soberano direito presidencial, a presidente Dilma sancionou o texto.
“A AGU é um órgão consultivo, o parecer pela inconstitucionalidade é opinativo, e a presidente tem o direito de não concordar”, disse o advogado geral da União, ministro Luís Inácio Adams. “Não foi a primeira vez que ela não acatou. Em seu juízo, a presidente pondera considerações jurídicas, políticas, sociais e históricas, e toma a decisão que lhe aprouver.”
A AGU mandou para o ministro Luiz Fux, defendendo a sanção da presidente Dilma, um arrazoado diverso dos pareceres anteriores - defendendo a constitucionalidade do que já considerara inconstitucional. “A lei manda que em casos como esses a AGU defenda a Presidência”, afirmou Adams. “E eu devo admitir, neste caso, que há precedentes jurídicos semelhantes que permitem admitir a constitucionalidade.”
Citou, como exemplo, o caso dos servidores e empregados públicos afastados na época do Governo Collor, afinal reintegrados. A semelhança é capenga - os pretendentes à PFF seguem em seus empregos, regularmente - mas tudo isso, agora, é o Supremo Tribunal Federal que irá decidir. Os autos da ADI 4708 estão conclusos para uma decisão do ministro Luiz Fux desde o dia 12 de agosto de 2014.
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