O momento crucial que o país atravessa, quando todos os olhares estão voltados para a última etapa do julgamento da presidenta Dilma Roussef no Senado Federal, vítima de um processo de impeachment, lembrar os 37 anos da anistia política nos reporta à ação histórica de setores elitistas no processo da luta de classes no nosso país.
Por Ana Guedes*, especial para o Portal Vermelho
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Como hoje, em 1964, também estes setores perpetraram um golpe visando valer seus interesses de classe, em detrimento do processo democrático em curso. Portanto, esse filme nós já vimos, guardando as devidas proporções das conjunturas que separam um momento do outro.A memória histórica também mostra que a mobilização popular foi a saída para as grandes transformações da sociedade em benefício daqueles que a minoria elitista sempre insistiu em colocar à sua margem. Foi assim na luta contra a escravatura, contra a ditadura militar de 1964 e tantas outras lutas populares que povoam a nossa trajetória.
Lembrar a conquista da anistia política no país resgata nossa capacidade de estar sempre em luta para o fortalecimento da democracia que tanto nos interessa. A criminalização de Dilma Rousseff, eleita pela vontade da maioria do povo brasileiro, é resultado de um golpe em andamento e prestes a se consolidar. O golpe em curso foi articulado e preparado, independente dos argumentos levantados. Foi o caminho que a burguesia brasileira enxergou para atingir seus objetivos, num momento de crise mundial do capitalismo que também atinge e fragiliza o Brasil, além da tendência mundial do recrudescimento de ideologias direitistas. Não aceitaram o resultado eleitoral. Partiram para executar seu plano de golpe, contando com um Congresso Nacional, de maioria fisiológica e comprometida com interesses espúrios, como se pôde observar no dia do julgamento na Câmara dos Deputados, com pronunciamentos que envergonharam a nação perante o povo brasileiro e o mundo todo.
Portanto, a anistia conquistada se soma a todas as lutas empreendidas pelo povo brasileiro e hoje, particularmente, a luta contra o golpe à democracia brasileira.
Nesse resgate, o dia 28 de agosto de 1979, quando o Congresso Nacional brasileiro aprovou a Lei da Anistia, um novo momento político foi instaurado no país. Resultante de um longo processo de luta de setores democráticos da sociedade civil, com grandes manifestações populares, viabilizado pelo Movimento Feminino pela Anistia e, em seguida, pelo Comitê Brasileiro pela Anistia, como parte importante da resistência à ditadura militar, a anistia não veio ampla, geral e irrestrita, como era a palavra de ordem.
Entretanto, foi um passo importante para o fim da ditadura militar, ocorrido em 1985. Para a concretude da anistia total, até hoje se luta para que se faça justiça, pelo julgamento dos agentes da repressão politica, que a Lei da Anistia anistiou, chamando de crimes conexos. O máximo que se conseguiu foi a identificação de alguns desses agentes e a denuncia dos seus nomes, a exemplo de Carlos Alberto Brilhante Ustra, recentemente falecido, e reconhecido torturador do Doi Codi de São Paulo.
Passados 37 anos, o balanço que se faz é que a luta por anistia representou um momento da vida nacional que, somada a luta pelas Diretas já e outros movimentos emergentes, formaram o caldo necessário ao fim da ditadura. A anistia, portanto, se constituiu em efetivo avanço no processo de reconstrução democrática, anistiando perseguidos políticos, incluindo presos, exilados, mortos, desaparecidos e inúmeros outros perseguidos em várias modalidades, integrando a luta maior pela retomada da democracia no país, vitima de um golpe que durou 21 anos.
Em 1985, quando teve início a reconstrução democrática, com o fim da ditadura militar, o país passou a perseguir a retomada dos direitos perdidos. A Constituição Cidadã de 1988 veio consolidar a conquista do Estado de Direito no Brasil. A Lei 9140 de 1995 veio reconhecer, oficialmente, os mortos e desaparecidos, vítimas da repressão política. A Lei 10.559 de 2001, indicada pela Constituição, veio ao encontro do anseio da reparação para todos os perseguidos políticos, iniciada em 1979, mas com mais amplitude.
Após o fim da ditadura militar o país passou a viver um processo de Justiça de Transição, conceito definido para nações que viveram períodos de governos autoritários, necessitando voltar à normalidade democrática.
O quadro político brasileiro indica que se avizinham grandes mudanças que colocam em risco os avanços democráticos conquistados, principalmente, no período mais recente da vida nacional. Como na luta pela anistia, organizar a resistência está na ordem do dia.
*Ana Guedes é membro do Diretório Estadual do PCdoB da Bahia, diretora do Grupo Tortura Nunca Mais da Bahia e conselheira da Comissão Nacional da Anistia do Ministério da Justiça
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