Quem checa as informações da agência de checagem?
por Redação — publicado 02/03/2016 18h05, última modificação 03/03/2016 09h51
A Agência Lupa, autoproclamada a primeira agência de checagem de fatos do Brasil, teve uma estreia conturbada em sua participação no Edição das 16h, jornal apresentado por Christiane Pelajo na GloboNews que foi ao ar pela primeira vez na segunda-feira 29.
Ao lado de Pelajo, Cristina Tardáguila, diretora da Lupa, sustentou por vários minutos um debate com o ministro da Saúde, Marcelo Castro, no qual a pasta era acusada de realizar um levantamento errado, e classificado como "falso", a respeito dos dados de microcefalia no Brasil.
Ocorre que o erro não estava nos dados do ministério, mas na checagem feita pela agência de fact-checking.
No debate, Pelajo e Tardáguila enquadraram Castro a respeito de supostas divergências entre os dados do ministério e de sete secretarias estaduais de Saúde, em especial do Rio de Janeiro e de São Paulo.
As jornalistas afirmavam que havia, segundo dados estaduais, 252 casos confirmados de microcefalia no Rio de Janeiro e outros 149 em São Paulo. Segundo o ministério, afirmavam elas, havia dois no Rio e nenhum em São Paulo.
Marcelo Castro rebateu os questionamentos e insistiu no fato de que os dados do Ministério da Saúde não são elaborados pela pasta, mas sim uma reprodução dos números repassados pelas secretarias estaduais.
O ministro também afirmou que a reportagem havia feito uma confusão entre casos notificados, aqueles suspeitos de microcefalia, e os confirmados. Não foi o suficiente para convencer as jornalistas.
Na noite de 29 de fevereiro, o Ministério da Saúde divulgou uma nota explicando o caso e mostrando os documentos das sete secretarias nas quais haveria divergência, inclusive São Paulo e Rio de Janeiro. De fato, não havia naquele momento casos confirmados de microcefalia em São Paulo e havia apenas dois no Rio, como disse Marcelo Castro e ao contrário do que afirmaram a Agência Lupa e a GloboNews. Havia naquele momento em São Paulo 149 casos notificados e, no Rio de Janeiro, 256.
No fim da nota, o Ministério da Saúde aproveitou para fazer uma dura crítica às jornalistas. Segundo a pasta, "o trabalho da imprensa, quando feito de maneira adequada, contribui para o controle social e correção das ações do poder público", mas "a indução ao erro e o reforço a boatos, em uma situação de emergência nacional em saúde pública, no entanto, traz insegurança e confunde a população."
De acordo com o site Notícias da TV, parceiro do portal UOL, a estreia do Edição das 16h foi considerada “desastrosa” na GloboNews por conta do debate com o ministro da Saúde.
Em nota enviada ao Notícias da TV, a GloboNews não admitiu o erro e atribuiu a "divergência" a uma suposta desatualização dos dados do Ministério da Saúde. Ocorre que a Agência Lupa usa como uma das provas da "fragilidade" dos dados do ministério uma troca de e-mails entre uma jornalista e um integrante do governo paulista no qual os 149 casos suspeitos de São Paulo são tratados como confirmados. No informe da secretaria estadual paulista, no entanto, os 149 casos são classificados de notificações.
Para a Agência Lupa, como mostra a nota abaixo, enviada a CartaCapital na noite de quarta-feira 2, essa informação é inconsistente e os dados do Ministério da Saúde são, sim, frágeis. A base da argumentação é a frase do secretário de Saúde de São Paulo, David Uip, de que haveria naquele momento 149 casos "confirmados".
Uip, entretanto, se equivocou. Como mostrava o documento oficial da secretaria de Saúde de São Paulo, havia naquele momento 149 casos notificados, que incluem casos em investigação, casos confirmados e casos descartados.
A notificação é feita com base nos critérios estabelecidos pelo Ministério da Saúde e o descarte com base em dois fatores: ou o caso notificado não era de microcefalia (ao contrário do que apontou o exame inicial) ou a microcefalia é causada por fatores não infecciosos, como uma questão genética ou abuso de álcool e drogas, por exemplo. Neste segundo caso, o descarte é feito porque a intenção das autoridades de Saúde é investigar a relação entre o zika e a microcefalia.
Diante disso, a Lupa, que é incubada na editora Alvinegra, responsável pela revista Piauí e tem entre seus "mentores" jornalistas que tiveram ou têm cargos elevados em publicações como Folha de S.Paulo, O Globo e O Estado de S.Paulo, não corrigiu a informação em seu site ou nas redes sociais, que até a publicação desta nota permaneciam destacando o que enxerga como inconsistência e classificando como "falso" o informe epidemiológico do Ministério da Saúde.
Abaixo, a íntegra da posição da Agência Lupa:
Ao contestar o trabalho que foi apresentado pela Agência Lupa na última segunda-feira, o Ministério da Saúde alegou que a discrepância detectada entre os dados repassados pelos estados e a tabela nacional sobre casos de microcefalia já confirmados se deve a uma defasagem no fechamento dos diversos relatórios que são enviados à pasta. Esses fechamentos, segundo o ministério, ocorreriam em dias diferentes.
No último dia 25, o secretário estadual de Saúde de SP, David Uip, afirmou em vídeo que o estado já tinha "149 casos de microcefalia confirmados". Dois dias depois, no dia 27, o ministério fechou o boletim nacional que foi divulgado oficialmente ontem (dia 1). Nele, a informação passada por Uip no dia 25 e confirmada por sua assessoria de imprensa não aparece. Na coluna de casos de microcefalia "confirmados" em São Paulo, segue o zero constatado na semana anterior.
Além disso, a Lupa apurou junto às informações oficiais do próprio ministério, que, entre 2010 e 2014, o estado de São Paulo teve uma média de 36 casos de microcefalia confirmados por ano. Como se explicaria então que, em 2015 e 2016, quando a epidemia de microcefalia aparece com toda a força e o registro da doença se torna obrigatório, o número de casos confirmados de microcefalia em SP se mantenha em zero?
A Agência Lupa reforça que, na segunda-feira, foi clara. A frase avaliada foi a seguinte: "Não há fragilidade (nos dados de microcefalia)". O caso de SP, somado às outras discrepâncias detectadas e demonstradas no site da agência, permitem concluir que há, sim, dúvidas consistentes sobre os dados oficiais de casos confirmados de microcefalia no país.
A agência acrescenta ainda que é seu trabalho pôr à prova todas as informações que julgar pertinente e levar ao público suas conclusões. O que a Lupa espera é que os dados do ministério e os dados divulgados oficialmente pelas secretarias estaduais de saúde sejam convergentes, idênticos e exatos. Só assim, será possível construir uma política pública capaz de enfrentar de vez a dolorosa realidade da microcefalia no Brasil.
https://youtu.be/zuwmguzzJuo
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