úrsula Freire/Arquivo Folha
Áreas como o Bairro do Recife deixaram de ser tão atrativas com a queda nas corridas
“Eu trabalhava 12 horas por dia, mas agora trabalho 15 horas por dia para chegar perto do que conseguia faturar há algum tempo. Se saio de casa às 9h da manhã, só volto à meia-noite para poder sustentar a minha família”, conta o taxista Agenor Ambrósio, que trabalha há sete anos no volante. “Eu tenho quatro aplicativos no celular e, em 10 semanas desde que comprei esse meu carro atual, já rodei quase 16 mil quilômetros atrás de passageiro. Eu tenho que ir para a rua se não não ganho dinheiro. Minha família não pode morrer de fome.”
“Antes, tinha gente que sobrevivia só com uso de aplicativos de táxi para conseguir passageiros. Os apps deram um novo norte para a classe. Mas, quando o Uber chegou, o taxista desceu a ladeira sem freio”, conta o presidente da Cooperativa de Taxistas de Paulista e Área Metropolitana (Cooperpam), Márcio Rodrigues. “A receita de muitos caiu, principalmente para quem trabalha à noite, com queda de 80% na renda. Já durante o dia, foi de cerca de 50%”, revela Márcio, que também é diretor comercial da União dos Taxistas de Pernambuco (UTPE).
E o bolso sente. Com a crise econômica que assola o País, o número de corridas feitas por empresas também diminuiu - o Bairro do Recife, por exemplo, onde há grande concentração de companhias de tecnologia, deixou de ser tão atrativo quanto antes. Na avenida Marquês de Olinda, às 16h, ainda é possível ver filas de táxis à espera de passageiros para rodar. “Em três dias”, conta o taxista Francisco Ribeiro, “não consegui ganhar o suficiente nem para pagar a diária do carro. Agora, preciso tirar do meu próprio dinheiro para conseguir pagar. A solução tem sido trabalhar mais e até mesmo durante a madrugada.”
Os dados financeiros dos motoristas que trabalham no Recife corroboram uma constatação feita pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) em regiões metropolitanas do País. Em pesquisa feita em novembro do ano passado, com resultado apresentado no começo de 2016, 43% dos entrevistados apontam a crise econômica do Brasil como a culpada pela diminuição da demanda, enquanto 30,3% citam o transporte clandestino ou ilegal - ou seja, o Uber - como causa.
“Estou revoltado, mas não adianta reclamar. O movimento caiu uns 90%, é uma corrida pela manhã e outra à tarde, não dá nem R$ 100 por dia”, revela Carlos de Oliveira, que também trabalha no Bairro do Recife. “Veja só, são 16h30 e só tirei R$ 48 hoje. Antes, não parava. Eram várias corridas e já teria conseguido R$ 200.”
A problemática e os dramas da categoria não acabam aí. Além da competição com aplicativos tipo Uber, apontado pelos taxistas como desleal, o cenário para a categoria está cada vez mais sombrio - e não é apenas por questões financeiras: “Ainda tem esse detalhe: se você roda de madrugada para tentar ganhar mais um pouco, corre o risco de pegar um assaltante”, aponta Agenor.
“Nesta semana, fui pegar um passageiro em Boa Viagem por volta das 2h da manhã. Ele estava com uma sacola e disse que ia para Paulista, mas não acreditei e pedi para ele descer porque estava com medo de ser assaltado de novo. Procurei polícia na rua, não achei e resolvi voltar para casa e dar o dia por encerrado”, revela Francisco Ribeiro.
Não é por menos. Na pesquisa da CNT, os taxistas recifenses são acompanhados por outros 74,6% dos entrevistados, que consideram a profissão perigosa. Outros 28,5% disseram ter sido vítimas de assalto pelo menos uma vez nos últimos dois anos, assim como Francisco. “Eu fui assaltado e levaram meu celular, com os aplicativos de táxi instalados e tudo mais”, relata, com mais um prejuízo a ser contabilizado.
Não bastasse tudo isso, a categoria ainda se sente abandonada pela opinião pública.
Táxi x Uber
Devido a essas dificuldades diárias e o estresse cotidiano no trânsito, a luta pela sobrevivência tem ganhado, justamente, ares de conflito literal. Os relatos de conflitos entre taxistas e motoristas ligados ao Uber têm gerado fortes repercussões tanto nas redes sociais quanto nas ruas.
Em meados de julho, o vereador do Recife Jayme Asfora propôs pesquisa informal na internet sobre a aceitação da sociedade em relação ao Uber e aplicativos similares. O resultado apontou que mais de 90% das pessoas que responderam disseram ser favoráveis ao app. É esse apoio quase irrestrito que incomoda a categoria, que aponta a ilegalidade do serviço de transporte de passageiros por carro particular.
O representante da UTPE, inclusive, chega a comparar o Uber com a proibição do transporte de passageiros em vans e Kombis no começo dos anos 2000. “Não é a população que quer a liberação do Uber? Se fosse assim, deveria liberar também esse tipo de transporte irregular”, argumenta Márcio Rodrigues.
“O app precisa se adequar às leis que nós temos. Apesar disso, o Uber trouxe algo positivo para os taxistas, que foi levar a uma repaginada da classe”, afirma o presidente da Cooperpam. “Temos que convir que a nossa categoria tem as suas falhas. Tenho plena consciência disso, mas a retomada passa exatamente em agir contra a generalização das críticas e trabalhar na qualificação dos taxistas”, acredita.
“Essa ideia de taxista trabalhar de camisa e bermuda vai acabar. Isso de táxi ainda não ter máquina de cartão de crédito no carro vai acabar”, enumera. “Com isso, o perfil do trabalho dos táxis vai ter que ser o mesmo no Recife ou em Olinda, em Jaboatão ou Paulista. A gente tem que entender que estamos em uma nova era, que exige um novo formato para a classe. Inclusive, estamos discutindo como dar desconto para atrair a clientela com um aplicativo, mas ainda está sob análise”, aponta Márcio.
Saiba mais
No Recife, para se tornar taxista, é preciso a permissão do poder municipal através da Companhia de Trânsito e Transporte Urbano (CTTU) - mas não é tão simples quanto parece. De acordo com a própria autarquia, a capital pernambucana já chegou ao limite da proporcionalidade, ou seja, do número de taxistas em relação ao tamanho da população. O contingente, nesse caso, é o limite de 6.125 táxis, com respeito à proporcionalidade de um motorista para cada 300 habitantes.
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