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terça-feira, 7 de março de 2017

O significado da greve das mulheres neste 8 de março

4 de março de 2017 - 17h03 


Reuters
Mulheres protestam nos Estados Unidos contra TrumpMulheres protestam nos Estados Unidos contra Trump
A greve ocorrerá em pelo menos quarenta países e será o primeiro dia internacionalmente coordenado de protesto em escala tão grande depois de anos. Em termos de tamanho e diversidade de organizações e países envolvidos, será comparável às manifestações internacionais contra o ataque imperialista ao Iraque, em 2003, e os protestos internacionais coordenados sob a bandeira do Fórum Social Mundial e do movimento de justiça global no início dos anos 2000.

O movimento Occupy, dos Indignados e o Black Lives Matter conseguiram ter eco internacional e desencadear manifestações, ocupações e protestos em vários países, mas havia pouca coordenação internacional consciente entre as várias organizações e grupos envolvidos. As revoluções árabes desencadearam acontecimentos extraordinários e históricos, mas as organizações sociais e políticas de outros países não foram capazes de promover uma poderosa mobilização coordenada internacionalmente em apoio.

Se houver êxito, a greve internacional das mulheres marcará um salto qualitativo e quantitativo no longo processo de reconstrução das mobilizações sociais em escala internacional contra o neoliberalismo e o imperialismo, as quais vários movimentos dos últimos anos, tais como o Occupy Gezi Park, os Indignados, o Standing Rock e o Black Lives Matter, deram forma. Isso também sinalizará a possibilidade concreta de um movimento feminista novo, poderoso, anticapitalista e internacionalista.

Por que estamos chamando isso de greve?
Muitas discussões sobre a greve, especialmente nos Estados Unidos, centraram-se em saber se é correto chamar o 8 de março de “greve”, em vez de uma manifestação ou protesto. Essa crítica é vazia de sentido. As greves das mulheres sempre foram mais abrangentes em seus alvos e metas do que as paralisações tradicionais por salários e condições de trabalho.

Em 1975, 90% das mulheres da Islândia fizeram uma greve nos locais de trabalho e se recusaram a realizar trabalho social não remunerado durante um dia, a fim de tornar visível o trabalho e a contribuição das mulheres islandesas para a sociedade. Elas exigiram salários iguais aos dos homens e o fim à discriminação sexual no local de trabalho.

No outono de 2016, as ativistas polonesas adotaram a estratégia e a mensagem da greve das mulheres de Islândia em 1975 e organizaram uma greve massiva de mulheres para impedir a aprovação de um projeto de lei no parlamento que proibisse o aborto. Ativistas argentinas fizeram o mesmo em outubro passado para protestar contra a violência masculina contra as mulheres.

Esses eventos – que estimularam a ideia de uma greve maior no Dia da Mulher – demonstram como uma greve de mulheres é diferente de uma greve geral. A greve das mulheres surge da reflexão política e teórica sobre as formas concretas do trabalho feminino nas sociedades capitalistas.

No capitalismo, o trabalho das mulheres no mercado formal é apenas uma parte do trabalho que realizam. As mulheres são também as principais realizadoras do trabalho reprodutivo – trabalho não remunerado que é igualmente importante para a reprodução da sociedade e das relações sociais capitalistas. A greve das mulheres destina-se a tornar este trabalho não remunerado visível e enfatizar que a reprodução social é também um local de luta.

Além disso, devido à divisão sexual do trabalho no mercado formal, um grande número de mulheres ocupam postos de trabalho precários, não têm direitos trabalhistas, estão desempregadas ou são trabalhadoras sem documentos.

As mulheres que trabalham no mercado formal e informal e na esfera social não reprodutiva são todas trabalhadoras. Essa consideração deve ser central para qualquer discussão sobre a reconstrução de um movimento operário não só nos Estados Unidos, mas também globalmente.
Enfatizar a unidade entre o local de trabalho e o lar é fundamental, e um princípio organizador central para a greve de 8 de março. Uma política que leve a sério o trabalho das mulheres deve incluir não só as greves no local de trabalho, mas também as greves do trabalho reprodutivo social não remunerado, as greves de tempo parcial, os chamados para redução do tempo de trabalho e outras formas de protesto que reconhecem a natureza de gênero das relações sociais.

A “greve” tornou-se o termo genérico sob o qual várias formas de ação são incluídas, porque é o termo que melhor enfatiza a centralidade do trabalho das mulheres e sua auto-identificação como trabalhadores, qualquer que seja a forma de seu trabalho.

Recuperando o direito de greve
Os Estados Unidos têm talvez as piores leis trabalhistas entre as democracias liberais. As greves gerais e as greves políticas são proibidas, as permitidas estão ligadas a exigências econômicas restritas dirigidas aos empregadores e os contratos têm frequentemente cláusulas explícitas anti-greves, cuja violação pode fazer com que o trabalhador perca o emprego e acarretar multas pesadas para o sindicato que organiza-las. Além disso, vários estados, como Nova York, têm leis que proíbem explicitamente funcionários públicos de entrar em greve.

A discussão sobre como reverter esta situação e empoderar os trabalhadores tem sido a principal preocupação estratégica da esquerda dos Estados Unidos nas últimas décadas. No entanto, um dos perigos desta discussão é o de reduzir a luta de classes apenas à luta econômica e de unir as relações sociais capitalistas com a economia formal em sentido restrito.
A transformação das relações de trabalho nos Estados Unidos requer não apenas uma ativação da classe trabalhadora com base em demandas econômicas no local de trabalho, mas sua politização e radicalização – a capacidade de realizar uma luta política dirigida à totalidade das relações de poder, instituições e formas de exploração em vigor.

Isto não pode ser alcançado apenas melhorando e expandindo a organização do trabalho de base no local de trabalho. Um dos problemas centrais que o trabalho político radical enfrenta é seu isolamento e invisibilidade. Estabelecer as bases para a revitalização do poder operário exigirá operar em diferentes níveis – criando grandes coalizões sociais, agindo dentro e fora dos locais de trabalho e estabelecendo laços de solidariedade e confiança entre organizadores e ativistas trabalhistas, antirracistas, feministas, estudantes e anti-imperialistas. Também significa aproveitar a imaginação social através de intervenções criativas, intelectuais e teóricas, além da experimentação com novas práticas e linguagens.

Em vez de um foco estreito sobre as lutas no local de trabalho, precisamos conectar movimentos baseados em gênero, raça, etnia e sexualidade, em conjunto com a organização do trabalho e o ativismo ambientalista. Somente criando essa totalidade coletiva seremos capazes de abordar a complexidade das questões e demandas apresentadas pelas diversas formas de mobilização.
Este é o caminho que a greve internacional das mulheres está perseguindo com sua plataforma política expansiva e inclusiva.

O 8 de março não será uma greve geral. Mas será um passo importante para um novo ciclo de legitimação do direito de greve contra as degradações do capitalismo sentidas em todas as esferas da vida por todos os povos.

*Cinzia Arruzza é professora adjunta de filosofia na New School. Tithi Bhattacharya é professora associada de história na Purdue University. Ambas assinam, junto com Angela Davis, Keeanga-Yamahtta Taylor, Linda Martín Alcoff, Nancy Fraser e Rasmea Yousef Odeh, o manifesto que originalmente convocou uma greve internacional militante das mulheres para o próximo dia 8 de março de 2017, “Por uma greve internacional militante no 8 de março“.

Artigo publicado originalmente no blog da revista Jacobin. A tradução é de Daniela Mussi, para o Blog Junho.

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