Com pelo menos 100 000 pessoas nas ruas, o protesto de Brasília confirmou a grande novidade da conjuntura política.
Numa sequencia de manifestações cada vez mais amplas desde os protestos "Fora Temer!" que marcaram o Carnaval, o povo assumiu seu lugar na definição dos destinos do país. O Brasil se encontra naquela situação clássica que antecipa grandes mudanças – aquela em que nem os de cima nem os debaixo conseguem viver como antes.
Ninguém precisa se enganar: a relação de forças na sociedade se modificou, os diques de contenção explodiram e a questão do momento é permitir que a vontade da base possa se expressar no poder político.
Isso quer dizer que entramos num período no qual as grandes questões colocadas pelas ruas – Diretas-Já e o fim das Reformas – entraram na ordem do dia das conversas políticas e da luta popular e, de uma forma ou de outra, terão de ser respondidas com urgência.
O governo Temer está suspenso por um fio, como uma fruta podre que pode cair da árvore a qualquer momento. O ensaio mais recente de sobrevivência – a quartelada de Brasília – foi suspenso quando se verificou que ameaçava se transformar numa nova demonstração de fraqueza. Não só era amplamente denunciado pelo mundo jurídico e político, mas rejeitado pelos comandantes militares, pelo governador do Distrito Federal. Transformado em bode expiatório de uma trapalhada anti-democrática, próprio Rodrigo Maia, fez questão de esclarecer que nada tinha a ver com aquilo.
Na medida em que fica claro que Temer não possui argumentos em defesa de sua inocência, e só está preocupado em fugir das investigações e salvar a própria ele, sem nenhuma causa maior a justificar a permanência no Planalto, um governo que nasceu sem legitimidade submerge na falta de autoridade.
Pode reaparecer em vídeos que ninguém precisa ser presidente da República para gravar. Pode articular manobras para ganhar tempo e prolongar a própria agonia, sem que seja possível enxergar alguma perspectiva de salvação a não ser aquilo que lhe interessa de fato: um acordo de cúpula para evitar a prisão quando perder a imunidade.
Num sintoma da gravidade da situação, o Planalto perdeu a voz de comando para dar ordens às Forças Armadas e também para os gabinetes que contam na máquina do Estado. Ao dizer que poderia permanecer em seus lugares em caso de queda presidencial, a equipe econômica deu a demonstração definitiva do ambiente de cada um por si e o mercado para todos.
Alimentada pela indignação dos brasileiros, que parte de fatias cada mais profundas da nossa geologia social, a fraqueza política de Temer está na origem das traições e delações que crescem dia após dia, sem perspectiva de que o Planalto tenha qualquer tipo de instrumento eficaz para conter a debandada.
Se a trama central do enredo parece resolvida, do ponto de vista técnico, resta uma questão para os patrões do golpismo de coalizão. A rigor, é a mesma de sempre, com o detalhe de que se tornou cada vez mais urgente: como impedir que sua queda seja empregada pela população para enterrar o projeto de reformas e restaurar a democracia através de Diretas-Já. Esta é a virada que interessa, a conquista que já se enxerga – em imagens pouco nítidas, ainda – no horizonte.
Com lideranças tradicionais em fuga há mais tempo, o que restou do PSDB serve de escora ao governo na esperança de garantir alguns restos do banquete em seu prato.
A matemática está clara.
Quanto mais Temer for mantido em seu cargo, maiores serão as mobilizações que exigem sua queda. Menor será a musculatura capaz de cometer crimes sociais como a reforma trabalhista e a destruição da Previdência. Mais desmoralizados ficarão aqueles que permanecerem a seu lado.
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