Após sucessivos atrasos, projeto que vai captar água do Rio São Francisco caiu em descrédito nas cidades em
colapso no abastecimento
Publicado em 02/03/2015, às 08h05
Moradores vivem rotina humilhante para
conseguir água para a família
Diego Nigro
O sofrimento fez secar a esperança. Massacrado por uma estiagem que já entra em seu quarto ano consecutivo, o morador do Sertão e do Agreste perdeu a fé de que a ajuda dos homens vai chegar. “Disseram que a água do São Francisco vem pra socorrer a gente. Mas quando? Quando todo mundo já tiver morrido de sede?” A descrença da dona de casa Maria das Graças Teixeira, 38 anos, traduz o sentimento que se abateu sobre quem está cansado de esperar. Ela vive na zona rural de Jataúba, uma das oito cidades de Pernambuco que hoje dependem, exclusivamente, do abastecimento do carro-pipa para ter acesso à água. No Agreste, além de Jataúba, a reportagem visitou Pedra, Venturosa, Alagoinha e Poção. No Sertão, as cidades de Itapetim, Brejinho e Triunfo. Na viagem pelos caminhos secos do Estado, o que se viu foi a desesperança tomando conta da paisagem.
“Eu nunca vivi uma época tão difícil como essa. Até a jurema preta (planta da caatinga) morreu. Nunca imaginei ir embora daqui. E esse ano eu pensei em deixar minha terra”, diz Vicente de Paula, ex-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Itapetim. Em todas as cidades, os moradores dizem estar calejados de velhas promessas. Não é para menos. A obra hídrica apontada como a redenção para o homem do Nordeste, a transposição do Rio São Francisco, caminha a passos lentos. Tanto que, em algumas localidades, já ganhou o nome de “água-fantasma”.
“Acho que se um dia ela chegar por aqui, nem vou estar mais viva. É coisa para os meus netos e olhe lá”, diz a agricultora Gilberta Suzana da Silva, 42, moradora de Venturosa. “Está todo mundo desanimado. Sem esperança de que mandem essa água para cá. A tubulação ainda não chegou nem em São José do Egito”, endossa a presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brejinho, Maria Solange Pereira Teles.
Para quem tem urgência em matar a sede as notícias são pouco animadoras. Na semana passada, cerca de 2,5 mil trabalhadores foram demitidos na frente de trabalho da transposição localizada em Salgueiro, no Sertão. O ritmo está desacelerando devido à dificuldade de caixa do governo federal, responsável pela obra, e também porque algumas empresas, contratadas para execução dos serviços, estariam com dificuldades no seu fluxo financeiro após as acusações de participação no esquema de corrupção da Petrobras. A transposição consiste na construção de dois grandes canais: o Eixo Norte e o Eixo Leste, que vão levar a água do Velho Chico para os Estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. De acordo com o Ministério da Integração Nacional, as obras físicas do projeto apresentam 70,7% de execução. A previsão de conclusão é 2016.
Na semana passada, o presidente da Companhia Pernambucana de Abastecimento (Compesa), Roberto Tavares, esteve reunido em Brasília com equipes do governo federal para apresentar projetos hídricos que possam garantir o abastecimento das cidades em colapso antes mesmo da transposição entrar em operação. A estratégia da empresa é injetar água de várias fontes na Adutora do Agreste, que atenderá 68 cidades e receberá água do Eixo Leste da transposição.
“Já estamos perfurando 20 poços em Tupanatinga, outros cinco em Ibimirim, além da construção das barragens de Pedro Moura, em Belo Jardim, e de Serro Azul, em Palmares. Queremos antecipar também o início da operação da adutora no ponto que vai beneficiar Arcoverde e Pesqueira. Garantindo o abastecimento nessas duas cidades, o sistema ficará mais livre para atender os demais municípios”, explicou Roberto Tavares. Apesar de reconhecer o estado de calamidade, sobretudo das cidades abastecidas apenas por carro-pipa, o presidente da Compesa afirmou que nos últimos oito anos foram investidos cerca de R$ 4 bilhões em obras hídricas, só pela estatal. “Se não fossem essas obras nossa situação estaria muito pior.”
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