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sábado, 27 de julho de 2013

CADEIRA DE ARRUAR Documentário retrata campos de concentração no Sertão nordestino

O curta será exibido no 6º Festival de Cinema Triunfo, que acontece de 5 a 10 de agosto

Publicado em 27/07/2013, às 14h00

Emanuel Andrade

 / Foto: Lizandra Martins/Especial para o JC

Foto: Lizandra Martins/Especial para o JC

PETROLINA E CRATO (CE) - Ao conceder entrevista em 2002 sobre os estragos de uma das maiores estiagens da história do Nordeste, o ex- governador de Pernambuco Miguel Arraes de Alencar, nascido no Ceará, lembrou “da seca braba” de 1932, considerada uma das piores em sua memória. “Um dia, quando ia estudar, me deparei com três homens presos. Eram flagelados do curral da concentração. Foram presos como desordeiros, só porque ficaram revoltados com as injustiças na distribuição de comida por lá”, afirmou Arraes, falecido em 2005. A história a que referia se passou na região do Cariri, no Ceará, quando o poder público (estadual e federal) chegou a criar o chamado campo de concentração do Alagadiço, para evitar que os retirantes chegassem a Fortaleza, o que, segundo os boletins oficiais da época, transformaria a capital no “caos, miséria, moléstia e sujeira”.

Os fatos foram retratados no romance O quinze, de Raquel de Queiróz. Ela descreve que o local chegou a juntar 8 mil esfarrapados, que recebiam alguma comida e eram vigiados por soldados. A história volta a ser lembrada em um documentário ainda inédito, assinado pelo produtor cultural petrolinense Chico Egídio, que batizou a história de Cadeira de arruar. O curta será exibido no 6º Festival de Cinema Triunfo, que acontece de 5 a 10 de agosto. Também será exibido no Festival Raiz e Remix, programado pro final de agosto em Petrolina.

No filme, com pouco mais de dez minutos, a história é contada em uma conversa com o aposentado Francisco Aristídes, que narra momentos de horror. Sentado em uma cadeira de balanço, seu Aristides pincela o que presenciou ainda jovem e o que ouviu falar de pessoas mais velhas, sobre famílias inteiras que foram vitimadas pela seca, sobretudo as atrocidades cometidas sob ordens das autoridades no campo de concentração sertanejo.

Segundo o diretor do curta, a ideia de produzir Cadeira de arruar nasceu da visita que fez acompanhando um grupo de jovens estudantes de uma escola da rede particular de Petrolina. “Os alunos foram conhecer um pouco das tradições e fatos culturais da região do Cariri e acabaram se entusiasmando ao ouvir um personagem vivo e de memória ainda afiada dessa tragédia que não é contada nos livros didáticos”, observa Egídio.

FOME E MORTE - No romance O quinze, apesar de abordar registros da rotina dos campos, a autora relata a sua experiência nos “Currais do Governo”, como eram conhecidos, e que atraíam retirantes da seca de 1915 para um local cercado por arame farpado e vigiado por militares armados: “Lá o povo tinha uma quantidade pequena de comida e pouca infraestrutura para abrigar tanta gente, o que resultou em doenças e mortes em grande quantidade”.

A segregação dos miseráveis era lei, mas chegou um momento em que o flagelo em massa era chocante, com uma média de 150 mortes diárias. Alguns jornais da época registraram que o Governo do Estado do Ceará ordenou, em dezembro de 1915, a dispersão dos flagelados, ou “molambudos”, como eram também conhecidos. Em 1932, repetiu-se a grande seca e o sistema dos campos foi ampliado.

Cadeira de arruar foi escolhido como nome para batizar o curta por se tratar de um hábito comum no interior do Nordeste. “É comum a pessoa sentar-se e relembrar fatos e lugares. A palavra arruar está um pouco em desuso, mas significa sair à rua e passear”, explica Chico Egídio. Segundo ele, os estudantes sertanejos que participaram da excursão tiveram um grande impacto com os relatos ouvidos, vivenciando uma nova realidade e desenvolvendo uma visão mais crítica sobre a história do povo nordestino.

Além de O quinze, outros livros que relatam esses horrores são Campos de concentração no Ceará – Isolamento e poder na seca de 1932, de Kênia Rios (Museu do Ceará, 2001), considerado obra de referência sobre o assunto, por trazer análises bem documentadas, além de Vida e morte no Sertão, de Marco Antônio Villa (Ática, 2000), um retrato das secas nordestinas desde o século 19 e de como suas vítimas foram assistidas pelo governo. Cadeira de Arruar é o primeiro vídeo sobre o tema.

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