Em Pernambuco, os números espantam: 46,5% dos municípios (86 cidades) estão em zona epidêmica
Publicado em 27/07/2013, às 21h43
Fabiana Moraes
fmoraes@jc.com.br
Foto: JC Imagem
Primeiro, a chuva que começou a cair sobre as áreas atingidas pela seca trouxe alegria: após dois anos de uma provação que parecia ter ficado no passado, o verde surgia e a água voltava para os rios, açudes e barragens. Pouco tempo depois, essa mesma chuva trazia assombro: hospitais e postos de saúde de dezenas de municípios recebiam uma quantidade inédita de pessoas com sintomas de doenças diarreicas agudas (DDA), que pode levar principalmente crianças e idosos à morte. Em Pernambuco, os números espantam: 46,5% dos municípios (86 cidades) estão em zona epidêmica (regionais de Arcoverde, Caruaru, Limoeiro, Goiana, Afogados da Ingazeira e Petrolina são as mais atingidas). Outros 41,1% estão em zona de alerta (76 cidades, sendo mais vulneráveis as regionais de Serra Talhada, Palmares, Salgueiro, Ouricuri e Garanhuns). Segundo a Secretaria de Saúde do Estado, que não divulga a lista dos municípios, mas as gerências onde eles estão, de janeiro a junho, seis óbitos foram causados pela DDA (cinco mulheres e um homem). Número pode aumentar porque outros casos esperam confirmação. Alagoas apresenta situação mais dramática: são 48 mortes, 11 delas em Palmeira dos Índios.
Em Arcoverde, Sertão de Pernambuco, o número de doentes que procurou postos de saúde e hospitais é espantoso: em junho de 2012 foram 364 pessoas com DDA, este ano, no mesmo período, 1.720 pacientes apresentaram sintomas como vômito e diarreia forte, além de hepatite A, outra doença associada à água infectada. Historicamente, o período da chuva se caracteriza pelo aumento de bactérias e vírus na água, mas a quantidade de doentes e mortos vista agora demonstra que há algo mais sério acontecendo. Misturam-se diversos problemas e várias omissões. Um é o flagrante não preparo dos governos federal, estadual e municipais em se antecipar a um problema já esperado. Boa parte da água distribuída em carros-pipa, por exemplo, tem como responsável pelo tratamento o próprio pipeiro. Há, ainda, uso incorreto (ou ausência) do cloro ou hipoclorito de sódio, distribuído gratuitamente pelo governo. Há quem prefira limpar a casa e lavar roupas com o material, no lugar de tratar a água. Não possuem a noção de que estão consumindo água misturada com morte.
No Sítio Salgadinho, zona rural arcoverdense, havia dessa água. Toda a família de Juliana Santos da Silva, 22 anos, e do agricultor Júlio César de Lima, 29, sofreu diarreias fortes e episódios de vômitos. Os três filhos do casal foram hospitalizados: César Augusto (8) e Caio (6) voltaram para casa, mas Juley, 4 anos, não resistiu e morreu no mesmo dia em que foi levada ao hospital. Em seu atestado de óbito, constam colite aguda, dano alveolar e choque como causas da morte. A colite pode estar associada a parasitas como Escherichia amoeba e Entamoeba histolytica, transmitidas pela contaminação fecal na água. Juliana diz que a filha estava bem quando, no dia de sua morte, acordou com diarreia. Foi levada a um médico ao meio-dia. Às 17h, estava morta. César e Caio também estavam doentes: o último passou oito dias internado. Os meninos estavam contaminados pela bactéria Shigella, comum nas infecções que assolam o Nordeste pós-chuva.
ORIGEM - A água que abastece as cisternas da região vem do Poço Brejo, em Buíque, vizinha a Arcoverde. O Exército, responsável por 900 carros-pipa no Estado, capta água no local e leva até as casas (o órgão também busca água de um poço da Compesa, em Tupanatinga). Muitas vezes, uma única cisterna serve a diversas famílias, como é o caso da existente na residência do agricultor Ivanildo Lima, 53, avô da menina morta (ele também ficou doente). Depois que a família foi acometida pela DDA, a cisterna ficou lacrada por quase um mês. A análise revelou água contaminada por coliformes.
“Usamos a água trazida pelo Exército para tudo. Nunca tivemos problema, foi a primeira vez que ficamos doentes”, diz Juliana, tentando não chorar, na frente de desconhecidos, a perda de sua filha mais nova. Segundo Maria Lourdes, 43, mãe de Juliana e avó de Juley, só depois que várias pessoas do sítio apresentaram diarreia e vômito, o hipoclorito de sódio (em frascos de 50 ml) começou a ser distribuído na localidade. “Era difícil passar um agente de saúde aqui. Agora, eles vêm.” Apesar de tratar a água para beber com o hipoclorito, tanto Juliana quanto Julio, assustados com a perda da filha, passaram a comprar água mineral para os dois filhos. “Pesa no orçamento, mas é melhor assim. Não confio mais nessa água.”
Segundo Isaac Salles, gerente da Vigilância em Saúde de Arcoverde, a população recebe o hipoclorito nas visitas dos agentes. O município conta hoje com 103 agentes, quando precisaria de mais 70 para que as ações preventivas fossem mais efetivas. “Falta também cuidado das pessoas”, observa, apontando para a cisterna da casa de Ivanildo. Na hora em que a reportagem passava no local, galinhas estavam sobre o reservatório (fechado). Na casa de Juliana, reservatórios também estavam fechados e não havia lixo espalhado. A comida estava bem acondicionada. Sugere que, naquele lar, não foi falta de higiene ou cuidado com a água que matou a menina de 4 anos.
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