Representantes do movimento negro do Rio Grande do Sul estão cobrando o ensino afro-brasileiro em escolas da capital e do interior. Eles querem que as leis 10.639/03 e 11.645/08, que tratam do ensino da cultura e história afro-brasileira e indígena, sejam implantadas. Debate foi realizado na Câmara de Vereadores de Porto Alegre. Sugestão para realização de um seminário sobre o tema com a exigência de participação de secretários estaduais e municipais foi apresentada, assim como a necessidade de que os gestores sejam responsabilizados administrativamente
19 DE ABRIL DE 2014 ÀS 11:08
Débora Fogliatto/sul21.com.br - Representantes do movimento negro e das secretarias de educação de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul debateram com vereadores na quinta-feira (17) a respeito da implantação da lei que determina o ensino de cultura e história afro-brasileira e indígena. A reunião sobre as leis 10.639/03 e 11.645/08 foi realizado pela Comissão de Defesa do Consumidor e Direitos Humanos da Câmara.
A necessidade do debate surgiu em audiência realizada pela comissão no dia 24 de março para debater casos recentes de racismo. Na ocasião, o procurador Jorge Luís Terra sugeriu que os vereadores fiscalizassem e discutissem a implantação das leis. A primeira, assinada em 2003, determinava a obrigatoriedade do estudo da história afro-brasileira. Cinco anos depois, foi definido que isso valeria também para a história e cultura indígenas. A lei federal, no entanto, não parece ter saído do papel.
A conversa começou com a exposição dos representantes da Secretaria Municipal de Educação (SMED), Silvio Luiz Capa Verde, Vanderlei Gomes e Márcia Sigal. "A rede municipal tem trajetória de ensino de filosofia e proximidade com temas sociais. Temos legislação anti-racista, anti-bullying, entre outros, para professores", afirmou Capa Verde. Vanderlei mostrou os programas da prefeitura, afirmando que funcionam nos eixos de parceria com movimentos sociais, redes de cultura, formação de professores e colaborações intra e extra governamentais.
A assessora da Diversidade, Marielda Barcelos Medeiros, representando a Secretaria Estadual da Educação, que começou sua carreira pública a partir da militância no movimento negro, afirmou que sua secretaria "não tem medido esforços" para fazer a temática perpassar todas as áreas de conhecimento, embora não tenha sido fácil.
As crianças negras criadas em terreiros muitas vezes sofrem impactos de aprendizado por serem forçadas a se adaptar a outra realidade, explicou a coordenadora estadual do Povo de Terreiro, Sandra Li. "Muito antes do ensino formal, precisamos tratar de como se realiza a educação dentro do terreiro. As crianças dominam línguas e dialetos de forma oral com muita facilidade", afirmou. Para que esses conhecimentos sejam valorizados, é preciso trabalhar "com a desmistificação da ideia de que a cultura ocidental é a mais válida", conforme defendeu Sandra.
Para a coordenadora estadual da Juventude Negra, Pérola Sampaio, isso se torna uma questão de auto-estima, de falta de representatividade. "Crianças negras têm maior índice de evasão escolar, mas será que é o educando que evade, ou a escola que não está se adaptando à necessidade de discutir racismo, machismo, homofobia?", questionou. Segundo ela, a juventude negra está sendo privada de conhecer sua própria história.
Sandra lembrou que, mesmo nos cursos de história e pedagogia, as cadeiras de história africana são opcionais, e é preciso haver "uma intervenção direta nos cursos". Pérola reconheceu, no entanto, que as açõesafirmativas revolucionaram o meio acadêmico, mas reforçou que "enquanto houver racismo, nossa luta não terminou".
Já o assessor jurídico da Comissão de Direitos Humanos da Procuradoria Geral do Estado, Gleidson Dias, considera que a questão do ensino é mais profunda: "se queremos continuar dizendo que o Brasil foi descoberto, e não invadido e colonizado, que tipo de educação nós estamos promovendo?", questionou. Para ele, a lei 10.639 é um marco político no Estado brasileiro, representando "o rompimento da hegemonia eurocêntrica, inclusive da forma epistemológica".
Ele afirmou que a dificuldade de implementar a lei, no entanto, demonstra um racismo por parte dos professores. "Eles podem se aprofundar no assunto, apenas não querem". Mas para o presidente do Movimento Quilombista Contemporâneo, Waldemar "Pernambuco" de Moura Lima, os professores são "produto de uma sociedade que nos induz a sermos racistas". "O ser humano não nasce odiando o outro, mas aprende dentro de casa", defendeu.
Pernambuco cobrou que os gestores estaduais e municipais implantem a lei, lembrando que o racismo está institucionalizado no Brasil. "Ou entendemos o racismo como algo destruidor de nossa humanidade e fazemos nossos irmãos entenderem que são racistas, ou nunca vamos chegar a lugar nenhum", ponderou.
Encaminhamentos
José Antônio Santos Silva, representante do Fórum Permanente de Educação e Diversidade, destacou que o cumprimento da lei já existe há três governos e não foi cumprido nem por Germano Rigotto (PMDB), nem por Yeda Crusius (PSDB) e nem por Tarso Genro (PT). Ele cobrou que seja implantado um grupo de trabalho no âmbito municipal para discutir a implantação da lei, e que o Tribunal de Contas do Estado fiscalize os municípios nesse sentido.
A vereadora Sofia Cavedon (PT), que foi representando a comissão de Educação e Cultura, destacou que tem pedido à prefeitura para retomar o plano municipal de educação. Ela ainda sugeriu ações que conscientizem a população sobre racismo no futebol durante a Copa do Mundo, como a realização de vídeos para serem transmitidos antes dos jogos.
Também foi sugerida a realização de um seminário sobre a implantação das leis, e a vereadora Fernanda Melchionna (PSOL) ressaltou que deve ser exigida a presença dos secretários estaduais e municipais na ocasião, além de professores e da população. Nesse âmbito, Vanderlei sugeriu que esses seminários sejam realizados em diferentes partes da cidade, para populações diversas. Fernanda também mencionou a importância de pedir dados a respeito de investimentos financeiros para os órgãos públicos.
"Estou convencido de que o Brasil passa sim por um extermínio da juventude negra com a desculpa da guerra às drogas", afirmou Alberto Kopittke (PT), presidente da Comissão. Para ele, é preciso que os gestores sejam responsabilizados administrativamente. O vereador também destacou a importância de se realizar uma pesquisa de vitimização, documento utilizado pelas ciências sociais e mede racismo, machismo e homofobia.
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