Como jornalista, compartilhei do espaço e do tempo de Luiz Gushiken algumas poucas vezes. Encontrei-o sempre afável, justo, disciplinado e espiritualizado.
Na campanha à presidência da República, em 1994, afigurou-se um bom conselheiro do metalúrgico. Pedia organização, controle e ética em todas as ações da militância de seu partido.
Gushiken foi um homem honesto, decente e cooperativo, durante seus 63 anos de vida. Por que, então, terá se tornado o nipo-brasileiro mais odiado pela mídia brasileira?
Por que sua morte está sendo ruidosamente comemorada pelos leitores comentaristas dos grandes jornais brasileiros?
A primeira resposta é chocante, mas deve ser tentada. Foi sempre vítima de um tipo sofisticado de racismo que permeia todas as relações em nossa sociedade farisaica.
Os poderosos e a elite esperam do nipo-brasileiro sempre uma conduta servil, quieta, alinhada, como se fosse um diferente com direitos limitados.
Não à toa, durante a Ditadura Militar, a repressão agiu brutalmente contra todos os japoneses que se insurgiram contra o regime.
Torturaram barbaramente e mataram Hiroaki Torigoe e Luis Hirata. O metalúrgico Francisco Seiko Okama foi metralhado pelas costas.
Cercada por agentes do exército, Suely Yumiko Kamayana foi assassinada aos 25 anos, crivada com mais de 100 balas de grosso calibre.
Gushiken tornou-se odiado justamente por praticar uma desobediência pacífica e jamais rejeitar incumbências na luta dos trabalhadores.
Viveu sempre como ser humano integral, respeitando a tradição dos antepassados de Okinawa e, ao mesmo tempo, aperfeiçoando a brasilidade.
Filósofo discreto, pensava-se um cidadão do mundo, admirador de mestiçagens biológicas e culturais.
Mas esse samurai sem espada é também odiado porque, à frente da Secretaria de Comunicação, no governo Lula, iniciou uma campanha ousada e genial para acabar com a síndrome de vira-latas propagandeada dia e noite pela mídia hegemônica.
Veio desse homem de saúde frágil, que escapou várias vezes da morte, a ideia de que somos brasileiros e não desistimos nunca. Nos últimos anos, esse mote tem sido fundamental no resgate do orgulho nacional.
Mas a grande imprensa passou a odiá-lo também porque deu o primeiro passo da necessária democratização da mídia. Por conta de Gushiken, as verbas de publicidade oficiais puderam alimentar inúmeros pequenos veículos, muitos deles no Brasil profundo.
Não à toa, a revista Veja valeu-se de uma fraude para tentar destrui-lo, adulterando fatos e números de um jantar de serviço. Mentiu e foi, posteriormente, desmascarada.
Logicamente, o PSDB e seu Ministério Público não poderiam deixar de inclui-lo no chamado escândalo do Mensalão. Como deixariam o atrevido japonês de fora?
Durante 3285 dias, Globo, Folha, Estadão e revistas da Editora Abril atacaram barbaramente Gushiken e sua família.
Neste período sombrio, o Ministério Público escondeu os documentos que provavam sua inocência, mantendo sobre ele o estigma de "ladrão" até o julgamento da ação pelo Supremo Tribunal Federal.
Gushiken passou a vida lutando. Guerreou contra a pobreza quando era criança, trabalhando duro desde cedo. Enfrentou a repressão policial quando jovem.
Nos anos finais da vida, teve a residência atacada de forma suspeita e foi difamado diariamente pelos colunistas dos grandes jornais.
Odiado foi. Odiado será. A considerar, no entanto, a natureza de seus inimigos, convém que o amemos, muitíssimo, hoje e sempre.
(Texto do jornalista Walter Falceta Jr)
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