Segunda-feira, 04 de Abril de 2016
Por Rosane Rodrigues*
A cobertura da crise política no Brasil é pauta nos meios de comunicação nacionais e internacionais. Em vários sites, jornais e TVs estrangeiros, o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, os protestos de rua contra e a favor do governo, a polarização partidária e a crescente intolerância política no país são temas que fazem parte do dia a dia. Esta semana, eu conversei com três jornalistas estrangeiros radicados no Brasil sobre a crise política nos trópicos. Como eles avaliam a cobertura da imprensa brasileira e a instabilidade em Brasília? São eles o inglês Bruce Douglas do jornal britânico The Guardian, a holandesa Wies Ubags do Het Financieele Dagblad; e a italiana Valeria Saccone, que escreve para o
espanhol El Confidencial.
"Acho que a mídia em muitos países hoje está longe de ser imparcial. Contudo, no Brasil, essa tendência é ainda mais forte. Jornais como O Globo e revistas como a Veja desempenham um papel mais político do que informativo, e diria que quase se dedicam a fazer contrainformação.", explicou Valeria Saccone.
A falta de diversidade na mídia brasileira também chamou a atenção do inglês Bruce Douglas. "Acho meio absurdo que não se tenha um jornal popular de esquerda. Os principais jornais do país- O Globo, Folha e Estadão- são todos da direita. Não há um espaço muito amplo para o debate, mas eu não concordo com essa ideia da mídia golpista. Os brasileiros leem muita notícia nas redes sociais hoje em dia e a TV não tem tanto poder como no passado", afirmou Douglas.
Já Wies Ubags acredita que a concentração midiática no Brasil, principalmente na televisão, enfraquece a formação de opinião de boa parte da sociedade. "Que eles tenham preferência política talvez seja menos grave, mas que as outras vozes sejam mais fracas é ruim. O problema é o dinheiro. Para poder ser um Globo, é preciso dinheiro. Acho bom que se tenha mídia alternativa, cada vez mais, mas elas precisam crescer. Com o tempo, a televisão vai ter menos influência e isso pode favorecer as mídias alternativas. Os jovens usam mais internet do que televisão.", disse.
A falta de imparcialidade de boa parte dos jornais e revistas brasileiros surpreendeu a italiana Valeria Saccone. "Esta semana, O Globo, a Folha de São Paulo, o Correio Braziliense e O Estado de São Paulo publicaram em várias páginas uma campanha publicitária promovida pela FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) que dizia: "Impeachment já". Acho muito grave virar cúmplice desse tipo de iniciativa. Acredito que The New York Times, Le Monde ou The Guardian jamais aceitariam algo parecido." explicou a correspondente.
Para os três jornalistas estrangeiros existe uma necessidade de um maior investimento em mídia alternativa, o que pode se tornar uma difícil missão no futuro. Em tramitação no Congresso Nacional, o relatório final da CPI dos Crimes Cibernéticos propõe oito projetos de lei para controlar, censurar e monitorar os usuários da rede mundial de computadores. Um das ideias defendidas pelo deputado federal Esperidião Amin (PP-SC) é punir quem fala mal de políticos.
A possibilidade de uma censura legal contra os usuários pode comprometer diretamente o trabalho de blogueiros, ativistas e jornalistas. "Essa proposta do CPI dos Crimes Cibernéticos é uma vergonha nacional. Se o Congresso aprovar essa lei, o Brasil não vai ser mais um país democrático. Não existe democracia sem a possibilidade de criticar os governantes", afirmou Bruce Douglas.
A previsão é que os projetos de lei para controlar a internet sejam votados ainda em abril. "O Facebook também é importante. É lá que os anti-impeachment, por exemplo, têm mais voz. Não diria que é golpe, mas é um jogo pelo poder, Fla-Flu, como diz um amigo. Acho que não tem argumento forte para impeachment. O ruim é que o governo da Dilma é tão fraco, com uma política econômica desastrosa. O país precisa de soluções contundentes. Ela está presa entre os interesses dos empresários e seu próprio PT.", analisou Wies Ubags.
As discussões sobre o processo de impeachment, e se é o início de um golpe de Estado ou um processo legal que faz parte da democracia, são assuntos diários na imprensa estrangeira. "Achei gravíssimo o que fez o jornal da noite da Rede Globo no dia em que o juiz Moro filtrou os grampos da conversa entre Lula e Dilma, com os apresentadores 'interpretando' os diálogos de uma forma dramatizada, como se fosse uma radionovela do século passado. Foi um espetáculo bastante patético", exemplificou Saccone. A jornalista italiana disse ainda que "a presidente Dilma Rousseff e vários políticos do PT, juntos com artistas e intelectuais, estão falando em golpe concretamente chamado 'golpe paraguaio', ou seja, um golpe constitucional. Não sou jurista nem tenho conhecimentos profundos do Direito Constitucional do Brasil para avaliar se o atual procedimento de 'impeachment' está dentro da legalidade. O que posso observar é que Dilma Rousseff ganhou as eleições em 2014 com uma maioria muito pequena (51,6%).Isso quer dizer que a metade do país já estava contra ela."
A operação Lava-Jato e as investigações sobre a corrupção são apontadas por Wies Ubags como aspectos positivos. "É muito importante é que o processo da Lava-Jato continue. Eu me pergunto se não é um grande mérito de Dilma, que a Justiça esteja funcionando. Esse Sergio Moro cometeu erros, mas ele fez um trabalho importante e não sei se é verdade que ele 'trabalha para PSDB', como dizem meus amigos de esquerda. Eu acredito que é mais falta de experiência e vontade de fama", afirmou a holandesa.
A cobertura feita pelos jornalistas estrangeiros no Brasil possibilita que qualquer coisa que ocorra aqui seja de conhecimento imediato no mundo. Um olhar diferente, distanciado e ao mesmo tempo de quem vivencia nossas mazelas, aflições e alegrias.
A cobertura da crise política no Brasil é pauta nos meios de comunicação nacionais e internacionais. Em vários sites, jornais e TVs estrangeiros, o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, os protestos de rua contra e a favor do governo, a polarização partidária e a crescente intolerância política no país são temas que fazem parte do dia a dia. Esta semana, eu conversei com três jornalistas estrangeiros radicados no Brasil sobre a crise política nos trópicos. Como eles avaliam a cobertura da imprensa brasileira e a instabilidade em Brasília? São eles o inglês Bruce Douglas do jornal britânico The Guardian, a holandesa Wies Ubags do Het Financieele Dagblad; e a italiana Valeria Saccone, que escreve para o
espanhol El Confidencial.
"Acho que a mídia em muitos países hoje está longe de ser imparcial. Contudo, no Brasil, essa tendência é ainda mais forte. Jornais como O Globo e revistas como a Veja desempenham um papel mais político do que informativo, e diria que quase se dedicam a fazer contrainformação.", explicou Valeria Saccone.
A falta de diversidade na mídia brasileira também chamou a atenção do inglês Bruce Douglas. "Acho meio absurdo que não se tenha um jornal popular de esquerda. Os principais jornais do país- O Globo, Folha e Estadão- são todos da direita. Não há um espaço muito amplo para o debate, mas eu não concordo com essa ideia da mídia golpista. Os brasileiros leem muita notícia nas redes sociais hoje em dia e a TV não tem tanto poder como no passado", afirmou Douglas.
O inglês Bruce Douglas defende a liberdade de expressão na internet |
Já Wies Ubags acredita que a concentração midiática no Brasil, principalmente na televisão, enfraquece a formação de opinião de boa parte da sociedade. "Que eles tenham preferência política talvez seja menos grave, mas que as outras vozes sejam mais fracas é ruim. O problema é o dinheiro. Para poder ser um Globo, é preciso dinheiro. Acho bom que se tenha mídia alternativa, cada vez mais, mas elas precisam crescer. Com o tempo, a televisão vai ter menos influência e isso pode favorecer as mídias alternativas. Os jovens usam mais internet do que televisão.", disse.
A falta de imparcialidade de boa parte dos jornais e revistas brasileiros surpreendeu a italiana Valeria Saccone. "Esta semana, O Globo, a Folha de São Paulo, o Correio Braziliense e O Estado de São Paulo publicaram em várias páginas uma campanha publicitária promovida pela FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) que dizia: "Impeachment já". Acho muito grave virar cúmplice desse tipo de iniciativa. Acredito que The New York Times, Le Monde ou The Guardian jamais aceitariam algo parecido." explicou a correspondente.
Para os três jornalistas estrangeiros existe uma necessidade de um maior investimento em mídia alternativa, o que pode se tornar uma difícil missão no futuro. Em tramitação no Congresso Nacional, o relatório final da CPI dos Crimes Cibernéticos propõe oito projetos de lei para controlar, censurar e monitorar os usuários da rede mundial de computadores. Um das ideias defendidas pelo deputado federal Esperidião Amin (PP-SC) é punir quem fala mal de políticos.
A holandesa Wies Ubag reclama da falta de pluradidade da mídia no Brasil |
A possibilidade de uma censura legal contra os usuários pode comprometer diretamente o trabalho de blogueiros, ativistas e jornalistas. "Essa proposta do CPI dos Crimes Cibernéticos é uma vergonha nacional. Se o Congresso aprovar essa lei, o Brasil não vai ser mais um país democrático. Não existe democracia sem a possibilidade de criticar os governantes", afirmou Bruce Douglas.
A previsão é que os projetos de lei para controlar a internet sejam votados ainda em abril. "O Facebook também é importante. É lá que os anti-impeachment, por exemplo, têm mais voz. Não diria que é golpe, mas é um jogo pelo poder, Fla-Flu, como diz um amigo. Acho que não tem argumento forte para impeachment. O ruim é que o governo da Dilma é tão fraco, com uma política econômica desastrosa. O país precisa de soluções contundentes. Ela está presa entre os interesses dos empresários e seu próprio PT.", analisou Wies Ubags.
As discussões sobre o processo de impeachment, e se é o início de um golpe de Estado ou um processo legal que faz parte da democracia, são assuntos diários na imprensa estrangeira. "Achei gravíssimo o que fez o jornal da noite da Rede Globo no dia em que o juiz Moro filtrou os grampos da conversa entre Lula e Dilma, com os apresentadores 'interpretando' os diálogos de uma forma dramatizada, como se fosse uma radionovela do século passado. Foi um espetáculo bastante patético", exemplificou Saccone. A jornalista italiana disse ainda que "a presidente Dilma Rousseff e vários políticos do PT, juntos com artistas e intelectuais, estão falando em golpe concretamente chamado 'golpe paraguaio', ou seja, um golpe constitucional. Não sou jurista nem tenho conhecimentos profundos do Direito Constitucional do Brasil para avaliar se o atual procedimento de 'impeachment' está dentro da legalidade. O que posso observar é que Dilma Rousseff ganhou as eleições em 2014 com uma maioria muito pequena (51,6%).Isso quer dizer que a metade do país já estava contra ela."
A operação Lava-Jato e as investigações sobre a corrupção são apontadas por Wies Ubags como aspectos positivos. "É muito importante é que o processo da Lava-Jato continue. Eu me pergunto se não é um grande mérito de Dilma, que a Justiça esteja funcionando. Esse Sergio Moro cometeu erros, mas ele fez um trabalho importante e não sei se é verdade que ele 'trabalha para PSDB', como dizem meus amigos de esquerda. Eu acredito que é mais falta de experiência e vontade de fama", afirmou a holandesa.
A cobertura feita pelos jornalistas estrangeiros no Brasil possibilita que qualquer coisa que ocorra aqui seja de conhecimento imediato no mundo. Um olhar diferente, distanciado e ao mesmo tempo de quem vivencia nossas mazelas, aflições e alegrias.
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