Com o fantasma do desemprego batendo à porta, brasileiros entre 20 e 30 anos, que fazem parte da chamada geração milênio, estão reavaliando prioridades e adiando sonhos
São Paulo / Rio de Janeiro
A primeira crise a gente nunca esquece. E a deles está sendo dupla. Acostumados com a prosperidade econômica da última década, jovens brasileiros nascidos no final da década de 80 ou 90 – que fazem parte da chamada geração milênio – estão enfrentando, pela primeira vez, um cenário de forte recessão econômica em meio a uma turbulenta crise política. Muitos eram pequenos quando Fernando Collor saiu por impeachment em 1992, e outros só tinham ouvido seus pais falarem a respeito dessa passagem da vida brasileira até então.
A maioria deles viveu boa parte da vida em um país com a inflação baixa, renda e consumo em alta e a escassez de gente para preencher postos de trabalho. Viveram a fase do pleno emprego! Porém, diante de um cenário inverso, esses jovens, que até então priorizavam a realização pessoal ao procurar um trabalho e não pensavam duas vezes antes de se arriscar em novos projetos, estão reavaliando prioridades e adiando alguns sonhos. Pior, começaram a se deparar com o fantasma do desemprego.
O mineiro Gustavo*, de 25 anos, que trabalha na área de Tecnologia da Informação (TI), chegou à conclusão que para manter o estilo de vida almejado por ele, sem ter uma vida profissional estressante, o caminho é prestar um concurso público. "Gosto do que faço, mas o ambiente corporativo está cada vez mais cruel e competitivo. Em novembro, vou dar meu aviso prévio e focarei em estudar para o concurso", explica. Em tempos de vacas magras, Gustavo optou por voltar à casa dos pais para tentar diminuir os custos e se concentrar no desafio de se tornar servidor público.
Preocupada com o desaquecimento do mercado, Cristina Jaber, de 31 anos, decidiu deixar de lado uma empresa que criou de mídias sociais e voltou a um emprego fixo de carteira assinada. "A possibilidade de estar empregada e com algumas garantias para enfrentar o cenário de crise atual foi decisiva para tomar essa escolha que não era a que eu pretendia", explica.
A crise, no entanto, pode acabar gerando um lado positivo: o de tornar essa geração mais madura, segundo o doutor em comunicação Dado Schneider, que estuda há anos o comportamento das novas gerações. "Os jovens terão que engolir mais sapos no ambiente de trabalho. Antes, a maioria deles renunciava na primeira dificuldade ou desentendimento. Agora que não há tantas opções terão que lidar com chefes difíceis [mesmo contrariados]. A crise servirá para que finalmente essa geração amadureça", argumenta. Hugo Machado, um jovem carioca de 23 anos, que no ano passado perdeu seu primeiro emprego, ilustra essa mudança: "Eu percebi que com a crise fiquei mais responsável, me espelho mais nos meus pais na hora de cuidar da casa e não fico mais jogando dinheiro fora com coisas desnecessárias. Eu saía bastante para beber, comprava muita roupa que não precisava e gostava muito de viajar".
Schneider lamenta, no entanto, a falta de interesse da maioria dos jovens milênios na política brasileira em um momento tão decisivo do país. "Hoje vivemos um novo processo de impeachment, mas essa geração não tem lembrança do Collor e nem procura saber", afirma.
Falta de representatividade política
Ainda que seja arriscado generalizar uma geração com jovens tão diferentes, um ponto em comum defendido por muitos deles é a falta de uma figura que possa representá-los na política. A maioria dos entrevistados pelo EL PAÍS para esta reportagem se diz contra o impeachment de Dilma Rousseff, mas afirma não se sentir representado por nenhum partido.
"Eu não acredito que a solução seja azul ou vermelha. O que a gente vive hoje é uma crise generalizada do sistema em que ambas cores estão inseridas. Não sou a favor do Governo, mas não consigo apoiar o impeachment e tampouco a oposição", diz Cristina Jaber que não participou de nenhuma manifestação neste ano.
Essa pode ser, inclusive, uma das explicações para a pouca adesão de jovens registrada nos diferentes atos realizados neste ano, tanto contra como a favor do Governo. Segundo levantamento do Datafolha, no primeiro protesto contra a presidenta, que contou com 210.000 manifestantes na avenida Paulista, só 6% dos presentes tinham entre 12 e 20 anos de idade. Nos protestos contra o impeachment de Dilma, os sinais de engajamento dos jovens foram ainda menores. Numa manifestação contra a saída da presidenta realizada em agosto do ano passado em São Paulo, com 37.000 pessoas, e outra em dezembro, com 55.000 participantes, os mais jovens nunca passaram de 5%, segundo o Datafolha. Só no ato deste ano, que contou com a presença do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a participação dessa faixa etária foi um pouco maior, chegando a 10% dos presentes.
Se comparado com atos ocorridos em 1992, que pediam o afastamento do ex-presidente Fernando Collor, o engajamento de hoje parece ainda menor. Naquela época, o estudante de "cara pintada" era o símbolo das manifestações contra Collor. "Hoje, os estudantes não se sentem representados por ninguém e se distanciam da política", afirma o antropólogo Michel Alcoforado
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