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domingo, 24 de abril de 2016

ARTE NAS ESCOLAS Educação artística obrigatória nas escolas é aprovada no Congresso, mas escolas ainda enfrentam desafios

Proposta aguarda apenas sanção presidencial e tem prazo de cinco anos para ser posta em prática; escolas pernambucanas que já adotam aulas de arte demonsram vantagens e desafios da medida


Publicado em: 24/04/2016 11:32 


O tipo de contato dos brasileiros com a escola pode mudar sensivelmente em um futuro próximo, com a aprovação, tanto pela Câmara quanto pelo Senado, de uma proposta que obriga o currículo escolar da educação básica a adotar aulas de artes no currículo escolar. Isso significa que o Ensino Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio devem incluir em seus currículos música, artes visuais, música e dança, em uma ação que depende apenas da sanção presidencial para ser implementada. A proposição deve mudar a Lei de Diretrizes e Bases e traz, em seu texto, o prazo de cinco anos para que os sistemas de ensino formem professores para dar essas aulas. 

Embora a iniciativa abra mercado para profissionais da área e também faça crianças e adolescentes conhecerem melhor princípios estéticos, a obrigatoriedade tem de superar preconceitos com a área e passar por cima de dificuldades estuturais. Um dos exemplos é o ensino da música. Em 2008, a foi sancionada a lei 11.769, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases e instituiu a obrigatoriedade do ensino desta matéria. As diretrizes para isso foram definidas apenas em 2013 e as dificuldades para implantar este currículo dão uma ideia do desafio reservado às outras linguagens artísticas na escola.

Um exemplo prático está na Escola de Referência em Ensino Médio Nóbrega, no bairro da Encruzilhada, mantida pelo Governo Estadual. Lá, professores de outras disciplinas que já tocam instrumentos ou estudaram música trazem noções da área para os alunos, em vez de professores específicos. Para esses docentes, a importância do ensino da música fez com que eles oferecessem orientação na matéria e auxílio aos alunos, mesmo fora da grade curricular da escola, voltada para o ensino integral. 

A unidade oferece três ações em música: um coral com 36 integrantes, uma banda marcial com 60 componentes e um conjunto, atualmente com 11 alunos, em uma demonstração de que há interesse dos estudantes na área. Além disso, iniciativas em teatro e dança também acontecem na escola, mas sempre como uma atividade complementar. “Os professores fazem um trabalho voluntário. Com a obrigatoriedade na grade, poderíamos incluir todos os alunos, mas, ainda assim, usamos a música, o teatro e a dança para chamarmos a atenção para determinados temas. Também queremos aproveitar os talentos presentes na escola. Quantos deles são desperdiçados por não serem reconhecidos?” argumenta Andreia Vieira, gestora da unidade.

A Escola Municipal Pedro Augusto, na Boa Vista, traz outro enfoque relacionado à abordagem das artes no ambiente escolar. Os conteúdos de arte são oferecidas no ensino fundamental em três aulas por semana, oferecidas tanto na grade curricular quanto em matérias eletivas, como stop motion, já que a unidade de ensino também é voltada para o ensino integral. A professora Suzana Vital é licenciada em teatro e artes visuais e trabalha com alunos de 6º, 7º e 8º anos do ensino fundamental. “Abordo muito o protagonismo juvenil. Estou aqui para dar autonomia para os alunos criarem. Nós trabalhamos o ler, o fazer e o contextualizar arte. O importante é respeitar o processo criativo, e não estabelecer uma obrigação de apresentar um produto final”. 

Light painting, intervenção urbana e o próprio stop motion são linguagens abordadas pela professora na escola, que dispõe de sala específica para as aulas de artes. Suzana vê com simpatia a perspectiva de obrigatoriedade do ensino de arte nas escolas, mas também aponta pontos para reflexão. “Ter o respaldo da legislação é melhor, pois tem gente que vê o professor de artes como decorador de escola. Tambem é preciso ter uma infra-estrutura adequada e material para artes, além de condições de trabalho para os professores. É preciso ter profissionais licenciados nestas áreas específicas, e não somente professores com treinamento ou especialização em arte-educação”.

Nas escolas da rede privada, investimentos para o ensino de arte já são uma realidade em algumas escolas. No Instituto Helena Lubienska, na Torre, as aulas de artes começaram a ser ministradas desde a fundação do colégio, em 1969. São oferecidas duas aulas de arte por semana na grade curricular, que prevêem tanto atividades dentro do colégio quanto aulas de campo. Além disso, há opções extracurriculares para os alunos em dança, teatro, música, artes visuais e arte digital, com salas específicas para algumas destas linguagens.

A diretora pedagógica do Lubienska, Rozario Azevedo, afirma que, como já há a preocupação de contratar professores específicos para o ensino de artes, a escola está dentro do que a proposta de obrigatoriedade pede. Além disso, com um planejamento pedagógico conjunto, as linguagens artísticas como música e audiovisual já estão em interação com disciplinas como português e matemática. “Os professores tentam deixar de pensar em ‘caixinhas’ quando organizam o planejamento anual. As próprias crianças e adolescentes já deixam de ver essas barreiras. Um dos projetos da escola é uma pesquisa, com professor orientador, que dura dois anos e eles não concebem expressar o que descobrem cientificamente sem incluir a arte”.

Mesmo com tais ações por parte da escola, Rozario ainda identifica resistências quanto à presença deste tipo de linguagem no currículo escolar. “Socialmente, o lugar da arte na escola ainda é muito ingrato. Às vezes, as famílias vêem essa disciplina como algo menor, mas tentamos conscientizar os pais de que esse tipo de expressão é importante para o amadurecimento estético e político das crianças e adolescentes. Os alunos, por outro lado, têm entendido bem esse papel”.

TRÊS PERGUNTAS // Francini Barros Pontes 

Para quem se forma como professor nessas áreas, a obrigatoriedade do ensino de linguagens artísticas na educação básica traz oportunidades e desafios que precisam ser encarados. Em entrevista ao Diario, a professora Francini Barros Pontes, professora de Licenciatura em Dança da UFPE, levanta pontos a serem levados em consideração nesta discussão. 

Qual sua opinião sobre a obrigatoriedade do ensino de arte na educação básica?
Sou a favor da implementação da lei por contemplar as quatro linguagens de forma específica. Vejo muitos ganhos porque, atualmente, a formação dos estudantes é voltada para uma esfera mais racional. Acho que a entrada da dança, por exemplo, vai propiciar esses cidadãos a terem corpos pensantes desde cedo. Por outro lado, me preocupa que o Governo Federal trate as artes como um subcomponente da área de conhecimento ligada à linguagem. Esta posição é incoerente. Música, dança, artes visuais, todas elas fazem parte de uma área mais ampla. 

De que forma o ensino da arte pode enriquecer o currículo escolar como um todo?
Há um potencial de trandisciplinaridade no ensino de arte, mas ele só pode se realizar a partir de cada disciplina. O que acontece hoje é a existência de profissionais não capacitados para dar aula nas quatro linguagens contempladas. Nós, na UFPE, investimos na formação de uma artista que é também professor e pesquisador. Os alunos de licenciatura dos cursos de arte estudam disciplinas de pedagogia e história. Em dança, por exemplo, também há estudos sobre os princípios do movimento. O que se procura é trabalhar a completude do corpo, a diversidade, e vejo isso em todos as licenciaturas dos cursos de arte da UFPE.

O que esses alunos egressos enfrentam na realidade do ensino de arte?
A gente tem muitos alunos em escolas e de iniciação à docencia e percebemos que eles revêem suas proprias praticas. A maioria sente muita resistencia da familia e da sociedade em trabalhar com arte. É uma conquista suada. No meu campo, a dança, acho que o campo de atuação deve ser bastante ampliado. O ensino que acreditamos é voltado não para a reprodução, mas para a consciência e ele pode apontar para outras possibilidades de ver o mundo.

SAIBA MAIS

O PROJETO
A obrigatoriedade do ensino de arte na escola foi proposta pelo ex-senador Roberto Saturnino em 2006, que incluía música, artes plásticas e artes cênicas. A Câmara alterou o texto para “artes visuais” - o que também contemplaria o audiovisual - e incluiu o ensino da dança. 

A EDUCAÇÃO ARTÍSTICA NO PASSADO

Antes da década de 1970, a música era a linguagem artística privilegiada na grade curricular das escolas brasileiras. O ensino de música nas escolas se disseminou pelo Brasil inteiro a partir da implantação do canto orfeônico nas escolas públicas, estimulado pelo compositor Heitor Villa-Lobos, que chefiou a extinta Superintendência de Educação Musical e Artística entre 1932 e 1944. A partir de 1971, a educação artística passou a ser composta por quatro áreas: música, artes plásticas, artes cênicas e desenho e os cursos de licenciatura foram regulamentados para essas linguagens.  

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