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quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

O futuro do Supremo depois de Renan

A resposta a um momento de grandes desafios como esse sempre será decisiva, para bem ou para mal    

08  de  dezembro de   2016  

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Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) durante sessão em que será julgada a liminar do ministro Marco Aurélio que determinou o afastamento de Renan Calheiros da Presidência do Senado.

Em pronunciamento, ministro Marco Aurélio Mello; à direita, ministros Ricardo Lewandowski.

Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

O  supremo enfrentou três fatos inéditos: uma liminar individual afastando o chefe do Senado, um ministro pedindo abertamente o impeachment de seu colega e a decisão explícita e oficial do Senado de descumprir uma decisão do tribunal. Não é pouco para 2 dias, mesmo em um ano como 2016.
A novidade, bem como o impacto político e institucional desses fatos concedem ao Supremo uma oportunidade rara de aprimoramento. Os ministros podem usá-la para reformar práticas disseminadas e reiteradas na corte ou podem aprofundar problemas graves, que estão inviabilizando o funcionamento do Supremo. Seja como for, a resposta a um momento de grandes desafios como esse sempre será decisiva, para bem ou para mal.
A decisão do plenário sobre a liminar do ministro Marco Aurélio foi um primeiro passo cuja leitura isolada não permite descobrir qual caminho os ministros escolheram nessa encruzilhada. Existem duas possíveis leituras sobre o que o Supremo fez.
Uma leitura é otimista. O tribunal reconheceu um excesso prejudicial para o relacionamento harmonioso com o Legislativo e corrigiu o rumo. Cassou a parte mais problemática do afastamento imediato, mantendo a outra parte para não conflitar com o entendimento já majoritário de que Renan não poderia assumir a Presidência da República. O Supremo calibrou os limites de sua atuação e preservou a autonomia do Senado. Mais ainda: os ministros manifestaram repúdio às declarações do ministro Gilmar Mendes e sinalizaram que adiantar publicamente o mérito de processos pendentes não é aceitável.
A outra leitura é pessimista. Os ministros não recuaram a posição da liminar sinalizar respeito à separação de poderes, mas sim porque cederam à pressão de um senador muito poderoso. O Supremo não apontou para um novo caminho de proteção da autonomia do Congresso, apenas usou a saída de ocasião que foi possível costurar. Afundou sua autoridade ao permitir que Renan descumpra uma decisão válida. Pior: confirmou que a pior represália para o impensável praticado por Mendes é a contemporização disfarçada de puxão de orelha.
A atitude dos ministros e o caminho que o Supremo percorrerá a partir daqui definirá qual a interpretação correta para o julgamento dessa quarta.
Se as liminares individuais continuarem sendo a regra em casos essenciais e a posterior análise pelo colegiado sempre tardar – ou mesmo nunca vier, estava certa a leitura pessimista. Nada mudou, quarta foi uma exceção. Também é essa a conclusão se o tribunal continuar interpretando a cláusula de separação de poderes como uma prerrogativa para ele, Supremo, dizer o que o Legislativo e o Executivo podem fazer e provocando ele mesmo novamente o descumprimento de suas decisões. Se Gilmar Mendes continuar adiantando para a imprensa seu posicionamento em processos pendentes, restará evidente que a reprimenda de seus colegas foi ignorada.
Por outro lado, se o Supremo começar a decidir mais como uma instituição; se liminares relevantes passarem a ser rapidamente analisadas pelas turmas ou pelo plenário; se, a partir de agora, em tempos de Lava Jato, nenhum relator admitir que uma denúncia de parlamentar mofe durante quase quatro anos antes de ser avaliada; então a leitura otimista estava correta. O Supremo não reformou a decisão de Marco Aurélio apenas para prestigiar o interesse pessoal de Renan. Também será confirmado o otimismo se os ministros passarem a pensar com mais cuidado (ainda que ainda exagerando aqui e ali) sobre os limites de sua competência perante a autonomia do Congresso – evitando decisões marcadas pela megalomania institucional, como a da cláusula de barreira dos partidos políticos. E isso especialmente no momento em que o Congresso começa a realizar reformas tão profundas e importantes para o país.
Acima de tudo, se Mendes e o próprio Marco Aurélio conseguirem resistir aos holofotes, respeitando a lei e deixando de anunciar previamente sua opinião sobre essas reformas e outros casos, então o Supremo começou na quarta a trilhar o caminho certo. Uma maioria de ministros conscientes conseguiu conter a derrocada da corte buscada por uma minoria que não quer conhecer limites.

Ivar A. Hartmann - Professor da FGV Direito Rio


08 de Dezembro de 2016 - 09h50

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