Luís Eduardo Gomes
Às vésperas do julgamento de Lula pelo TRF4, lideranças nacionais do Partido dos Trabalhistas e juristas e intelectuais não necessariamente ligados ao partido encontraram, no início da noite desta segunda-feira (24), em Porto Alegre, uma militância entusiasmada e disposta a lotar um auditório com centenas de cadeiras, ocupando corredores e o chão, para defender o direito do ex-presidente de participar do pleito. O evento era o Ato de Juristas e Intelectuais em Defesa da Democracia, mas cada fala crítica à sentença de Sergio Moro, que condenou o petista a nove anos e meio de prisão, era seguida por aplausos, muitas vezes de pé, e cantos de “Olê, Olê, Olê, Ola, Lula, Lula”.
Foram quase três horas de falas no auditório da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Instituições Financeiras do Rio Grande do Sul (Fetrafi-RS), no Centro da Capital, que chegou a ter filas do lado de fora para acessar o prédio, com a segurança permitindo o acesso apenas quando alguém deixava o local. Logo em uma das primeiras falas, o ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcelo Lavenère – reconhecido por ter entregue à Câmara o pedido que resultou no impeachment de Fernando Collor, em 1992 -, deu o tom do que seria o evento, classificando o julgamento do ex-presidente como “perseguição jurídica”.
Na sequência, o ex-ministro Celso Amorim, um dos petistas mais próximos do ex-presidente, disse que não iria rivalizar com os juristas, mas ponderou que mesmo um dos jornais mais conservadores do País, o Estado de S. Paulo, trouxe em sua edição impressa desta segunda uma matéria em que quatro juristas consideram que há falhas na sentença de Moro que permitiriam a absolvição de Lula. “Não me consta que nenhum deles seja do PT, do PCdoB ou da Frente Brasil Popular, e todos eles dizendo que as falhas no processo são brechas, palavras que eles usam, para uma absolvição. São falhas que tornam o processo inconsistente. Um processo que não tem um ato, não tem um benefício, em que o Ministério Público apresenta uma acusação e a condenação é por outro fato, quer dizer, são falhas formais imperdoáveis”, disse. Ao final da fala de Amorim, a plateia entoou pela primeira vez um canto de apoio ao ex-presidente.
Após Amorim, seguiram-se análises mais técnicas da sentença de Moro. Margarida Lacombe, professora de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), criticou o que chamou de “caráter casuístico” da sentença, isto é, utilizar instrumentos jurídicos para responsabilizar uma pessoa específica. Ela exemplificou essa crítica ao ponderar que Moro fez uma “sentença criativa”, em que criou a figura da propriedade atribuída – enquanto o Direito brasileiro só reconhece a adquirida e a transferida – para justificar a condenação de Lula. “Atribuída por quem? Por réu confesso [Léo Pinheiro, sócio da OAS] que não têm o compromisso com a verdade”, disse Margarida, acrescentando ainda que o juiz paranaense se valeu até de notícias de jornais para justificar que, sim, a propriedade era atribuída a Lula. “O juiz cria uma hipótese e decide com base nessa hipótese. Eu nunca vi disso. É uma sentença injusta porque se baseia em conjecturas e não em provas”.
Jurista e professor da Universidade Federal de Minas Gerais, Thomas Bustamente destacou que a imagem da Operação Lava Jato foi construída para levar à população o entendimento de que suas ações são essenciais para o combate à corrupção no Brasil e que os seus críticos são inimigos públicos da nação, cúmplices de criminosos, petralhas e outros adjetivos pejorativos, o que seria alimentado pelo corporativismo do judiciário, do Ministério Público e da Polícia Federal. Para ele, esse comportamento foi essencialmente estimulado pelo próprio juiz Moro, que ele considera ter, a partir do ódio, construído uma imagem de inimigo de Lula que o levou a não ter outra alternativa a não ser condenar o ex-presidente, mesmo sem provas suficientes, sob pena de ir contra esta própria imagem. “Não precisamos de heróis, muito menos de vingadores, mas de juízes imparciais”, disse Thomas.
Por sua vez, a professora da Universidade Federal do RS (UFRGS) Vanessa Chiari Gonçalves destacou justamente que não há provas que justifiquem a condenação. “Onde não há provas, não pode haver sentença jurídica. Se não há certeza jurídica, há duvida, e havendo dúvidas, a absolvição se impõe de acordo com o nosso ordenamento jurídico. Mas a situação é mais inusitada, porque existem provas que inocentam o ex-presidente, por isso a minha expectativa como cidadã é que Lula seja absolvido”, disse.
Para o antropólogo e escritor Luiz Eduardo Soares, o processo tem natureza eminentemente política, com violações e arbitrariedades grosseiras. Soares disse que o julgamento de Lula é um exemplo, mas que há outros casos muito graves que estão sendo conduzidos por um viés punitivista, como o processo contra o ex-reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (USFC) Luiz Carlos Canciller, que se suicidou no ano passado. “O estado direito democrático está em risco e a eventual intervenção jurídica no processo eleitoral vai significar a interrupção do estado democrático”, disse.
Ex-ministro da Justiça durante o governo de Dilma Rousseff (PT), o procurador federal aposentado Eugênio Aragão abriu sua fala afirmando que o Brasil vive um tempo de falso moralismo em que a “perversão é transformada em virtude”. Aragão destacou que juízes como Moro e o carioca Marcelo Bretas utilizam o judiciário de força espetaculosa. Ele citou como exemplo de perversão das atribuições do judiciário a permissão concedida para que o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral fosse transferido de penitenciária com as mãos e os pés algemados, mesmo em uma situação que não ofereceria nenhum risco de fugir e tendo o Supremo Tribunal Federal (STF) proibido tal utilização de algemas. “Cadê a presidente Cármen Lucia?”, questionou.
Segundo Aragão, a base do judiciário está “largamento infestada” por juízes fascistas que buscam a criminalização da política e que mesmo aqueles que discordam de ações desse tipo ou se calam e não expõem suas posições por medo de represálias, visto que o judiciário é, segundo ele, um poder “extremamente autoritário para fora e para dentro”.
O final coube aos senadores Lindberg Farias (PT-RS) e Gleisi Hoffmann (PT-PR). Falando antes, o carioca destacou que há tempos não participava de um ato com uma plateia tão animada e que os próximos dias entrarão para a história do País, salientando ainda que, mais uma vez, o RS estava no centro da história política do Brasil. Lembrando uma dessas ocasiões, destacou o papel de Leonel Brizola ao conduzir a luta pela democracia e promover, de Porto Alegre, a resistência à tentativa de golpe para impedir a posse de João Goulart na presidência, em 1961. Na sequência, destacou que, nesta ocasião, também era preciso lembrar Brizola por outro motivo: a resistência à “Rede Globo”, e aproveitou a deixa para mandar uma mensagem à emissora carioca. “Os senhores passaram de qualquer limite de irresponsabilidade. Tiraram uma presidente honesta e agora querem transformar a eleição de 2018 em uma fraude. Deixem de ser covardes, achem um candidato para disputar nas ruas”, disse Lindberg, que teve sua fala transformada em uma experiência quase catártica pela militância, que o interrompeu com o velho bordão “O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo” e concluiu a sua fala ao som de “Olê, olê, olê, ola, Lula, Lula”.
Encerrando o ato, a presidente nacional do PT disse que vem destacando sempre que pode que no lado dos críticos da sentença proferida por Moro estão os principais nomes do Direito brasileiro e figuras de relevo internacional. “Onde estão os juristas que apoiam a sentença de Sérgio Moro? Cadê os textos, os seminários, as discussões? Eu só vejo a defesa da Rede Globo, dos editoriais dos grandes jornalões, que são os articulistas do golpe”, disse. Gleisi ainda ponderou que a esquerda, diante do bombardeio midiático, passou por um período de dificuldade, mas, agora, cada vez mais pessoas estariam tomando consciência de que o Brasil passou por um golpe, o que estaria levando a um período de mobilização de forças. “Nós temos que ir para rua e mostrar que, a partir da mobilização de Porto Alegre, nós não ficaremos quietos e faremos a luta todos os dias. Não pensem eles que, porque somos pacíficos, seremos passivos, porque somos pacíficos, seremos mansos. Estamos lutando pela democracia, pelo ex-presidente Lula, mas, principalmente, pelo povo do País”.
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