Por Leandro Barbosa no História Incomum
Cannabis Sativa, Maconha, Chá, Baseado, Marihuana, Santa Maria, são alguns dos nomes dado a erva milenar que ainda polemiza o mundo. Dentre seus muitos apelidos, um que talvez defina a planta na política brasileira, seja: Erva do Diabo. Num congresso que carrega nas canelas os grilhões da bancada conhecida como BBB (Boi, Bala e Bíblia), discutir sobre a descriminalização e a legalização das drogas no país se torna muito mais desafiador do que parece, mesmo tratando-se da saúde de milhares de brasileiros.
Uma remessa de Canabidiol (CBD) – medicamento derivado da maconha – está retida há dias pela Receita Federal no Aeroporto de Viracopos, em Campinas, sob a alegação de que a carga chegou ao Brasil sem o registro da Declaração de Importação (DI). Devido ao impasse burocrático, 18 crianças, 16 do Pará, 1 de Brasília e 1 de Belo Horizonte, pacientes epilépticos e autistas severos graves, aguardam o remédio doado pela empresa norte-americana CBDRx, sediada no Colorado (EUA).
Para o Médico Leandro Ramires, Presidente da Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal – AMA+ME, tal situação se compara “a retenção de uma doação de medicamentos, de origem estrangeira, para um país vítima de catástrofe e a burocracia impedisse o acesso das vítimas ao seu alívio”. O médico ainda explica: “o problema estaria no detalhe de que a
doação deveria ter sido feita em forma de ‘remessa expressa’ e não de ‘importação formal’. Já fizemos tudo o que tínhamos para cumprir. Eu fico muito chateado com essa circunstância, porque são pessoas que correm risco de morrer. As mães estão me ligando e eu realmente não sei mais o que fazer”, lamenta.
doação deveria ter sido feita em forma de ‘remessa expressa’ e não de ‘importação formal’. Já fizemos tudo o que tínhamos para cumprir. Eu fico muito chateado com essa circunstância, porque são pessoas que correm risco de morrer. As mães estão me ligando e eu realmente não sei mais o que fazer”, lamenta.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA está ciente do processo e todos os pacientes tem autorização para utilização e importação do Canabidiol, com a intermediação da AMA+ME. A ONG, mesmo sem fontes de recursos, representa pacientes de todo Brasil, em sua maioria, sem condições para serem beneficiados com este tipo de tratamento. “Mantemos contato direto, cordial e aberto junto a Gerência de Produtos Controlados da ANVISA, que esta ciente de todo o processo desta remessa e atendemos a todas as exigências a nós impostas pela Agência, processo rígido e burocrático.
Famílias aguardam ansiosas o benefício. Não faz o menor sentido essa doação voltar à sua origem, ser leiloada ou incinerada simplesmente para cumprir uma formalidade que nunca será superior ao sofrimento desses pacientes”.
Um filho, uma causa!
Leandro é pai do Benicio, uma criança de 8 anos que também é um dos pacientes que aguardam a liberação da remessa de Canabidiol. O garoto tem Síndrome de Dravet. A doença, causada por uma mutação genética, gera um quadro de epilepsia grave. Estima-se que ela afete uma pessoa em cada 20 mil.
Beni, como é chamado pela família, é uma dessas crianças que se agarram a vontade de viver e reinventam a infância diante das limitações impostas por uma enfermidade. O prognóstico de sua doença torna os seus dias desafiadores: dificilmente alguém com tal síndrome chega à fase adulta. O que torna intenso cada dia de sua vida frágil. E é por isso que seu pai luta.
Até os 6 anos de vida, o garoto foi internado 48 vezes. Os 13 comprimidos que tomava não venciam as constantes convulsões, que cada vez mais deixavam sequelas. A descoberta do Canabidiol como possibilidade de tratamento mudou este quadro drasticamente: dos 6 aos 8 anos, Beni teve apenas uma internação. Além disso, seu desenvolvimento motor e psicológico evoluiu, como mostra um dos vídeos publicados pelo seu pai:
Encarando tudo como uma travessia, diante da evolução do tratamento do Beni, Leandro afirma: “o barco que estava afundando agora navega firme rumo ao futuro, mesmo aos trancos e barrancos”. E assim, pai e filho seguem vivendo na fragilidade dos dias.
A dor que vive em mim
Juliana Paolinelli aprendeu desde cedo a conviver com a dor. A integrante da diretoria da AME+ME, hoje com 36 anos, conta que sente dores desde que se entende por gente: “a dor já está incorporada na minha vida desde muito pequena”.
Aos 7 anos, Juliana teve suas primeiras varizes. Aos 15 anos, ela fez sua primeira cirurgia para tentar solucionar o problema em suas veias. Aos 17 anos, descobriu que tinha uma anomalia em sua coluna, que mais tarde seria diagnosticada como Espondilolistese em um grau tão avançado que, segundo seu médico, explica Juliana: “não havia ainda na literatura algo parecido”. A doença é o deslocamento anterior de uma vértebra ou da coluna vertebral em relação à vértebra inferior.
A gravidade do deslocamento na coluna de Juliana causou a explosão de algumas vértebras, gerando sérios problemas neurológicos. “Eu tenho as extremidades geladas, meu pés e minhas mãos estão sempre geladas. Eu tenho a sensação de desmaio muito frequente. Eu tenho muito, muito enjoo. Na parte da frente eu tenho sensibilidade nos movimentos. Na parte de trás eu tenho sensibilidade alterada de movimentos. Os meus pés tem movimentos muito alterados, mas ando! Ainda me sobrou andar”, diz. E continua falando, agarrada à esperança: “uma coisa que eu falo muito comigo mesma é: tomara que eu consiga andar, nem que seja um tiquinho pra ir ao banheiro, pra fazer as coisas dentro de casa, a vida inteira. Eu não pretendo morrer velhinha e viver a todo custo, eu quero qualidade de vida. É isso que eu busco hoje”.
Além de tudo isso, Juliana ainda sofria com diversas convulsões, e foi com o uso do CBD que ela encontrou possibilidade de alcançar a qualidade de vida que tanto almeja. Juntamente com ele, ela usa a maconha fumada para obter o THC (tetrahidrocanabinol). O princípio ativo já tem sido usado em alguns países para o tratamento de doenças como Epilepsia, Parkinson e Esclerose múltipla.
Embora Juliana tenha sido a primeira paciente brasileira a ser autorizada a importar o remédio com base em THC, a realidade é bem diferente na prática. O componente ainda é proibido internacionalmente, o que impede a importação ao Brasil. Com isso, se faz necessário pensar urgentemente na produção nacional de remédios a base de cannabis. “Não existe a possibilidade de trazer o remédio com base em THC. Não há importadora que importe esse remédio. A gente precisa da maconha aqui perto da gente, que a gente possa fazer extrato de óleos, fazer a coisa da maneira mais legal possível”.
Tendo sua vida definida por tratados internacionais e a pela legislação brasileira, Juliana questiona: “quanto tempo vale um dia de vida pra uma pessoa? Quanto vale um dia de vida para uma paciente que está com metástase e sente dor o dia inteiro? A gente quer o alivio pra dor e o cultivo nacional. Porque não existe a menor possibilidade de viver de maconha importada. É Burro!”.
Sobre às dúvidas e questionamentos das pessoas quanto ao uso da maconha, ela é enfática: “tem gente que me pergunta: o que a maconha pode causar? Gente, não interessa! O que me interessa é que ela me traz alívio agora. Se eu não tiver alívio agora eu não vou chegar amanhã. Eu preciso passar o hoje. Eu preciso conseguir suportar o hoje pra chegar amanhã”. Através do uso da planta Juliana conseguiu retirar uma bomba de morfina que tinha acoplada ao seu corpo, a fim de amenizar as suas dores.
O que a ciência diz?
Política sobre drogas
A legislação brasileira sobre drogas não foi baseada em critérios científicos para a sua formulação. Diante disso, revê-la é um estado emergencial, pois interfere diretamente na vida de uma parcela considerável da população do país. Segundo Aldo Zaiden, psicanalista e membro da Plataforma Brasileira de Políticas de Drogas, “o que diz respeito a novos tratamentos de doenças importantes no país, está sendo pautado pela opinião da população. Caberia a ANVISA e ao Ministério da Saúde explicar a população, não responder ao temor da população, houve uma inversão de papeis aí”.
Aldo também afirma que por mais que houvesse áreas no Ministério da Saúde que recomendavam o aprofundamento dessa discussão e aceitavam esse tipo de tratamento, a ANVISA representou o atraso nas discussões nacionais e internacionais sobre isso. Segundo o psicanalista, isso demonstra que a Agência não está em condições políticas de atuação e não é independente, como está previsto em lei. “Ela foi a voz do conservadorismo do executivo brasileiro nessa discussão, e todos os entraves burocráticos desempenhados pela policia federal, receita federal e ANVISA refletem esta falta de coragem que, de certa forma, pode ser confundida com má fé ou irresponsabilidade do Estado brasileiro para com a saúde, quando diz respeito a novas abordagens de saúde no tocante a drogas que são socialmente entendidas como perigosas”.
Em resposta, a ANVISA afirmou que:
“A importação de Canabidiol é tratada como prioridade dentro desta Agência. Assim, nos casos em que a documentação é protocolada corretamente, a autorização anual é concedida em um prazo médio de 11 dias. A inspeção e liberação são prioridades em todos os postos da ANVISA, sendo a remessa liberada prontamente quando está tudo em conformidade com o autorizado”.
Até o momento, a Agência declara que liberou a importação excepcional para 1030 pedidos.
A questão não é jurídica, a questão é política
As últimas declarações do ministro do Desenvolvimento Social e Agrário, Osmar Terra (PMDB), sobre a política de drogas do país, demonstra, segundo Aldo, um médico com pompa de delegado. “O temor de todo campo de defensores de Direitos Humanos e da Saúde do Brasil é que a nova diplomacia brasileira e a posição policialesca, vinda de um médico como o Osmar Terra que não se comporta como médico mas como um delegado de polícia, venha representar uma vergonha diante das nações unidas, como já tem representado em outros campos”, afirma.
Atualmente, segundo Aldo, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, hoje, o ex-presidente Lula se encontra convencido da necessidade de avançar na regulamentação do mercado de drogas, mas é importante frisar que a visão de ambos jamais influenciou seus partidos políticos. “O governo Dilma sempre foi dúbio com relação a Política sobre Drogas, mesmo com a posição do Lula. E, infelizmente, as ideias do Fernando Henrique não influenciam o atual governo interino”.
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