POR JARI DA ROCHA, COLABORAÇÃO PARA O TIJOLAÇO · 31/07/2016
Conhecedora dos caminhos da reeleição e precursora da ópera maior, a Privataria Tucana, a direita julgou fácil a tarefa de desqualificar um desqualificado.
O talento natural é uma dádiva que pode se transformar em desterro se nas mãos (n’alma) d’algum torneiro mecânico retirante. Se a justiça divina lhe oferece as costas, cabe então, a justiça dos homens, por mais injusta que se pareça. Mas isso nem sempre vem ao caso.
Não foi à toa que se viu tanta devoção a Deus em votações nas quais vence na vida quem diz SIM. Os votos – não de castidade e muito menos de pobreza – são contabilizados a cada amém proferido, em vão, pela bancada da bíblia, do boi e da bala.
A justiça dos homens tem se mostrado eficiente, pois demonstra, por suasmalabarices, acuidade ao separar os três bês dos três pês. Além das putas tristes, dos pobres pretos e dos pardos pobres urgia, por convicção de classe, acrescentar o quarto pê da discórdia.
Era necessário compor a morte através do réquiem escrito nos gabinetes do judiciário, revisado por imperialistas, negociado com dinheiro vivo pago à vista no congresso e editado nas redações dos jornais.
Para que alguns possam viver bem outros tem de morrer. A conta não fecha, dirão os economistas encomendados. A vida é para poucos. Mata-se quem nem devia ter nascido.
Como bem escreveu João Cabral de Mello Neto: é difícil defender, só com palavras, a vida…
O funeral deve ser discreto, dispense, portanto, as carpideiras. Encontre terra suficiente para cavar cova rasa no interior do sertão de preferencia. Ali enterre o homem morto de morte matada.
Matado por uma ave-bala.
A bala da turma do congresso que troca bíblia por boi. A mesma ave-bala que Severino retirante quis saber de onde vinha.
O esnobismo batedor de panelas, sem perceber (percepção não é o forte dos esnobes – snob?), transforma um réquiem vienense em Missa de morte do vaqueiro.
Os vaqueiros do sertão árido. Os Raimundos Jacós assassinados e suas toadas de gado, os muitos Fabianos de poucos Gracilianos e os Severinos de Morte e de Vida.
Somos muitos Severinos iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras suando-se muito em cima,
a de tentar despertar terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar alguns roçado da cinza
Esse cabra não merecia coisa melhor, dirão, nos bastidores de algum telejornal, nos corredores de alguma vara, repartição, fórum ou ainda, em outra língua, nalgum departamento ao norte das Américas.
Só assim, depois de morto e enterrado, depois do serviço bem feito é que a direita poderá estrear sua ópera bufa.
Não é Lula quem querem matar. Mas sua morte, metafórica ou política, permitirá que eles não pareçam tão medíocres.
Uma pá de cal sobre um morto?
Não. Sobre as mortes que pesam em suas costas.
A comparação – com quem revolucionou um país – é cruel demais para os seculares promotores da desigualdade, da fome e da miséria.
Não fizeram outra coisa senão isso, além, é claro, de tornar os ricos mais ricos. Morrerão gordos e felizes. Deixarão gordos pecúlios, posses, haveres e nenhum legado.
O que está proposto, escrito com todas as letras, é o sacrifício do povo brasileiro, sem dó nem piedade. Envoltos na miséria, juntos da morte. A morte Severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte Severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
No palco, o elenco já conhecido do público – e da justiça conivente – cada um com seu papel definido, recompõe a ópera da pátria, da família e da propriedade.
Uma ópera para poucos.
A ópera em que operário não entra.
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