Leia o
documento aprovado nesta quarta-feira durante reunião da Comissão Executiva
Nacional do PT, em São Paulo
O PT E O
JULGAMENTO DA AÇÃO PENAL 470
O PT,
amparado no princípio da liberdade de expressão, critica e torna pública sua
discordância da decisão do Supremo Tribunal Federal que, no julgamento da Ação
Penal 470, condenou e imputou penas desproporcionais a alguns de seus filiados.
1. O STF
não garantiu o amplo direito de defesa
O STF negou
aos réus que não tinham direito ao foro especial a possibilidade de recorrer a
instâncias inferiores da Justiça. Suprimiu-lhes, portanto, a plenitude do
direito de defesa, que é um direito fundamental da cidadania internacionalmente
consagrado.
A
Constituição estabelece, no artigo 102, que apenas o presidente, o
vice-presidente da República, os membros do Congresso Nacional, os próprios
ministros do STF e o Procurador Geral da República podem ser processados e julgados
exclusivamente pela Suprema Corte. E, também, nas infrações penais comuns e nos
crimes de responsabilidade, os ministros de Estado, os comandantes das três
Armas, os membros dos Tribunais superiores, do Tribunal de Contas da União e os
chefes de missão diplomática em caráter permanente.
Foi por esta
razão que o ex-ministro Marcio Thomaz Bastos, logo no início do julgamento,
pediu o desmembramento do processo. O que foi negado pelo STF, muito embora
tenha decidido em sentido contrário no caso do “mensalão do PSDB” de Minas
Gerais.
Ou seja:
dois pesos, duas medidas; situações idênticas tratadas desigualmente.
Vale
lembrar, finalmente, que em quatro ocasiões recentes, o STF votou pelo
desmembramento de processos, para que pessoas sem foro privilegiado fossem
julgadas pela primeira instância – todas elas posteriores à decisão de julgar a
Ação Penal 470 de uma só vez.
Por isso
mesmo, o PT considera legítimo e coerente, do ponto de vista legal, que os réus
agora condenados pelo STF recorram a todos os meios jurídicos para se
defenderem.
2. O STF
deu valor de prova a indícios
Parte do STF
decidiu pelas condenações, mesmo não havendo provas no processo. O julgamento
não foi isento, de acordo com os autos e à luz das provas. Ao contrário, foi
influenciado por um discurso paralelo e desenvolveu-se de forma “pouco
ortodoxa” (segundo as palavras de um ministro do STF). Houve flexibilização do
uso de provas, transferência do ônus da prova aos réus, presunções, ilações,
deduções, inferências e a transformação de indícios em provas.
À falta de
elementos objetivos na denúncia, deducões, ilações e conjecturas preencheram as
lacunas probatórias – fato grave sobretudo quando se trata de ação penal, que
pode condenar pessoas à privação de liberdade. Como se sabe, indícios apontam
simplesmente possibilidades, nunca certezas capazes de fundamentar o livre
convencimento motivado do julgador. Indícios nada mais são que sugestões, nunca
evidências ou provas cabais.
Cabe à
acusação apresentar, para se desincumbir de seu ônus processual, provas do que
alega e, assim, obter a condenação de quem quer que seja. No caso em questão,
imputou-se aos réus a obrigação de provar sua inocência ou comprovar álibis em
sua defesa—papel que competiria ao acusador. A Suprema Corte inverteu, portanto,
o ônus da prova.
3. O
domínio funcional do fato não dispensa provas
O STF deu
estatuto legal a uma teoria nascida na Alemanha nazista, em 1939, atualizada em
1963 em plena Guerra Fria e considerada superada por diversos juristas. Segundo
esta doutrina, considera-se autor não apenas quem executa um crime, mas quem
tem ou poderia ter, devido a sua função, capacidade de decisão sobre sua
realização. Isto é, a improbabilidade de desconhecimento do crime seria
suficiente para a condenação.
Ao lançarem
mão da teoria do domínio funcional do fato, os ministros inferiram que o
ex-ministro José Dirceu, pela posição de influência que ocupava, poderia ser
condenado, mesmo sem provarem que participou diretamente dos fatos apontados
como crimes. Ou que, tendo conhecimento deles, não agiu (ou omitiu-se) para
evitar que se consumassem. Expressão-síntese da doutrina foi verbalizada pelo
presidente do STF, quando indagou não se o réu tinha conhecimento dos fatos,
mas se o réu “tinha como não saber”...
Ao admitir o
ato de ofício presumido e adotar a teoria do direito do fato como
responsabilidade objetiva, o STF cria um precedente perigoso: o de alguém ser
condenado pelo que é, e não pelo que teria feito.
Trata-se de
uma interpretação da lei moldada unicamente para atender a conveniência de
condenar pessoas específicas e, indiretamente, atingir o partido a que estão
vinculadas.
4. O
risco da insegurança jurídica
As decisões
do STF, em muitos pontos, prenunciam o fim do garantismo, o rebaixamento do
direito de defesa, do avanço da noção de presunção de culpa em vez de
inocência. E, ao inovar que a lavagem de dinheiro independe de crime
antecedente, bem como ao concluir que houve compra de votos de parlamentares, o
STF instaurou um clima de insegurança jurídica no País.
Pairam dúvidas
se o novo paradigma se repetirá em outros julgamentos, ou, ainda, se os juízes
de primeira instância e os tribunais seguirão a mesma trilha da Suprema Corte.
Doravante,
juízes inescrupulosos, ou vinculados a interesses de qualquer espécie nas
comarcas em que atuam poderão valer-se de provas indiciárias ou da teoria do
domínio do fato para condenar desafetos ou inimigos políticos de caciques
partidários locais.
Quanto à
suposta compra de votos, cuja mácula comprometeria até mesmo emendas
constitucionais, como as das reformas tributária e previdenciária, já estão em
andamento ações diretas de inconstitucionalidade, movidas por sindicatos e
pessoas físicas, com o intuito de fulminar as ditas mudanças na Carta Magna.
Ao
instaurar-se a insegurança jurídica, não perdem apenas os que foram
injustiçados no curso da Ação Penal 470. Perde a sociedade, que fica exposta a
casuísmos e decisões de ocasião. Perde, enfim, o próprio Estado Democrático de
Direito.
5. O STF
fez um julgamento político
Sob intensa
pressão da mídia conservadora—cujos veículos cumprem um papel de oposição ao
governo e propagam a repulsa de uma certa elite ao PT - ministros do STF
confirmaram condenações anunciadas, anteciparam votos à imprensa,
pronunciaram-se fora dos autos e, por fim, imiscuíram-se em áreas reservadas ao
Legislativo e ao Executivo, ferindo assim a independência entre os poderes.
Único dos
poderes da República cujos integrantes independem do voto popular e detêm
mandato vitalício até completarem 70 anos, o Supremo Tribunal Federal - assim
como os demais poderes e todos os tribunais daqui e do exterior - faz política.
E o fez, claramente, ao julgar a Ação Penal 470.
Fez política
ao definir o calendário convenientemente coincidente com as eleições. Fez
política ao recusar o desmembramento da ação e ao escolher a teoria do domínio
do fato para compensar a escassez de provas.
Contrariamente
a sua natureza, de corte constitucional contra majoritária, o STF, ao deixar-se
contaminar pela pressão de certos meios de comunicação e sem distanciar-se do
processo político eleitoral, não assegurou-se a necessária isenção que deveria
pautar seus julgamentos.
No STF,
venceram as posições políticas ideológicas, muito bem representadas pela mídia
conservadora neste episódio: a maioria dos ministros transformou delitos
eleitorais em delitos de Estado (desvio de dinheiro público e compra de votos).
Embora
realizado nos marcos do Estado Democrático de Direito sob o qual vivemos, o
julgamento, nitidamente político, desrespeitou garantias constitucionais para
retratar processos de corrupção à revelia de provas, condenar os réus e tentar
criminalizar o PT. Assim orientado, o julgamento convergiu para produzir dois
resultados: condenar os réus, em vários casos sem que houvesse provas nos
autos, mas, principalmente, condenar alguns pela “compra de votos” para, desta
forma, tentar criminalizar o PT.
Dezenas de
testemunhas juramentadas acabaram simplesmente desprezadas. Inúmeras
contraprovas não foram sequer objeto de análise. E inúmeras jurisprudências
terminaram alteradas para servir aos objetivos da condenação.
Alguns
ministros procuraram adequar a realidade à denúncia do
Procurador
Geral, supostamente por ouvir o chamado clamor da opinião pública, muito embora
ele só se fizesse presente na mídia de direita, menos preocupada com a
moralidade pública do que em tentar manchar a imagem histórica do governo Lula,
como se quisesse matá-lo politicamente. O procurador não escondeu seu viés de
parcialidade ao afirmar que seria positivo se o julgamento interferisse no
resultado das eleições.
A luta
pela Justiça continua
O PT
envidará todos os esforços para que a partidarização do Judiciário, evidente no
julgamento da Ação Penal 470, seja contida. Erros e ilegalidades que tenham
sido cometidos por filiados do partido no âmbito de um sistema eleitoral
inconsistente - que o PT luta para transformar através do projeto de reforma
política em tramitação no Congresso Nacional - não justificam que o poder
político da toga suplante a força da lei e dos poderes que emanam do povo.
Na
trajetória do PT, que nasceu lutando pela democracia no Brasil, muitos foram os
obstáculos que tivemos de transpor até nos convertermos no partido de maior
preferência dos brasileiros. No partido que elegeu um operário duas vezes presidente da República e a primeira
mulher como suprema mandatária. Ambos, Lula e Dilma, gozam de ampla aprovação
em todos os setores da sociedade, pelas profundas transformações que têm
promovido, principalmente nas condições de vida dos mais pobres.
A despeito
das campanhas de ódio e preconceito, Lula e Dilma elevaram o Brasil a um novo
estágio: 28 milhões de pessoas deixaram a miséria extrema e 40 milhões
ascenderam socialmente.
Abriram-se
novas oportunidades para todos, o Brasil tornou-se a 6a.economia do mundo e é
respeitado internacionalmente, nada mais devendo a ninguém.
Tanto quanto
fizemos antes do início do julgamento, o PT reafirma sua convicção de que não
houve compra de votos no Congresso Nacional, nem tampouco o pagamento de mesada
a parlamentares. Reafirmamos, também, que não houve, da parte de petistas
denunciados, utilização de recursos públicos, nem apropriação privada e
pessoal.
Ao mesmo
tempo, reiteramos as resoluções de nosso Congresso Nacional, acerca de erros
políticos cometidos coletiva ou individualmente.
É com esta
postura equilibrada e serena que o PT não se deixa intimidar pelos que clamam
pelo linchamento moral de companheiros injustamente condenados. Nosso partido
terá forças para vencer mais este desafio. Continuaremos a lutar por uma
profunda reforma do sistema político - o que inclui o financiamento público das
campanhas eleitorais - e pela maior democratização do Estado, o que envolve constante disputa popular contra
arbitrariedades como as perpetradas no julgamento da Ação Penal 470, em relação
às quais não pouparemos esforços para que sejam revistas e corrigidas.
Conclamamos
nossa militância a mobilizar-se em defesa do PT e de nossas bandeiras; a tornar
o partido cada vez mais democrático e vinculado às lutas sociais. Um partido
cada vez mais comprometido com as transformações em favor da igualdade e da
liberdade.
São Paulo,
14 de novembro de 2012.
Comissão
Executiva Nacional do PT.
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