A edição do
jornal A Tarde, de Salvador, do dia 16/07/2012 , traz um texto de Ruben Siqueira,
sociólogo, da Comissão Pastoral da Terra na Bahia sobre o agravamento da seca
pelas obras da transposição. Diz o texto: "A seca atual no Nordeste,
das piores sob ponto de vista climatológico, revela mais das contradições do
projeto de transposição do rio São Francisco. As obras contribuem para piorar a
situação". Confira na íntegra:
Águas de
açudes foram usadas na construção dos canais, e agora estão faltando ao povo,
aos animais, à lavoura. É o caso de Barra do Juá, em Floresta, e de Poço da
Cruz, em Ibimirim, PE. Deste foram retiradas por dia 16 carradas de 16 mil
litros cada. Mesmo atualmente, carradas diárias continuam sendo levadas,
ignorando a conflitividade crescente da situação, em que consumo humano e
animal e produção irrigada disputam a água que míngua. Barragens no município
de Sertânia – PE foram secadas desta forma. Poços artesianos perfurados pelas
empresas contribuem para baixar o nível das águas subterrâneas e das aguadas. A
percepção da seca pelos afetados não lhes tira a convicção de que foram estas
retiradas a secarem os reservatórios.
Uma das mais
incidentes reclamações dos camponeses é quanto ao acesso às áreas de pastagem e
às aguadas cortado pelos canais. Ficou impedida a circulação dos animais
criados na “solta”, nos “fundos de pastos”. Passarelas prometidas não foram
feitas. O quadro chega a ser desesperador: muitos produtores venderam parte do
rebanho ou todo ele, antes que mais perdesse preço ou morresse, como vem
acontecendo. As indenizações, até de R$ 80,00 por hectare, não lhes
possibilitam reproduzir as condições de vida anteriores.
Famílias
reassentadas nas “Vilas Produtivas Rurais” elogiam as casas, mas reclamam da
ajuda de R$ 930,00, pouca para todos os gastos da casa, e das terras ruins e
ainda não liberadas para o trabalho. O fornecimento de água de carro-pipa é
irregular e insuficiente, tem-se que completar a custos próprios, pagando até
R$ 100,00 a carrada. Situação que deve perdurar até e se correr a água do São
Francisco... A esperança se turva na incerteza e na desconfiança.
As chuvas
que caíram na região deterioraram placas de concreto dos canais construídos,
entre Floresta, Sertânia e Custódia, PE. Ironia: a obra que os promotores e
defensores buscam justificar com a falta de chuvas, se estraga com as chuvas...
Trechos dos canais deixam a nítida impressão de que foram ignorados a geologia
e o clima da região, pois cederam, racharam, foram tomados pelo mato... O
túnel de Cuncas, do lado de Maurití – CE, desabou.
O estado das
obras dá razão às críticas mais contundentes ao projeto. Revelam o esquema, ao
ritmo do calendário eleitoral: início açodado, projetos executivos frágeis,
deterioração, necessidade de refazer, empresas inidôneas como a Construtora
Delta (escândalo Cachoeira), superfaturamento, protelação, aditivos, caixas de
campanhas eleitorais – as anteriores, as deste ano, as seguintes... Daí que os
custos já aumentaram 71%: de R$ 4,8 bilhões para R$ 8,2 bilhões!
O período
eleitoral enseja novas manipulações: anunciam-se mais um desnecessário canal
para o Vale do Piancó, na Paraíba, e uma transposição baiana de Sobradinho para
Salvador através do Rio Paraguaçú... Ignoram-se acintosamente os avanços do
conhecimento sobre o bioma Caatinga e o clima Semiárido e a proposta de
conviver e tirar partido deles. O São Francisco, o desprezado de sempre, fonte
inesgotável de “recursos hídricos”, como se não estivesse minguando a olhos
vistos e dados comprovados. O ciclo
vicioso reiterado, lá e cá, escancara a “indústria” econômica e política e
cultural da seca, ainda decisiva para o poder, à custa da dor e do engano do
povo nordestino.
http://www.cptnacional.org.br
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