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terça-feira, 3 de setembro de 2013

O CASO JEREMIAS Em busca de uma reparação na história

No último dia da série, o JC narra a versão sobre a morte do militante trotskista sob a ótica da família, que vivia em São Paulo, à época

Publicado em 03/09/2013, às 07h41

No último dia da série sobre o “Caso Jeremias”, a família mostra sua versão. A irmã do militante, Lélia Pinto, diz como recebeu a notícia da morte do irmão e revela que pretende pressionar a Comissão da Verdade para que o episódio seja analisado. Um livro sobre a história do líder camponês será lançado. E um memorial deverá ser erguido em Itambé.
Para Lélia Pinto, o Jeremias, o militante trotskista, o líder sindical, a vítima da chacina do Oriente naquele 8 de agosto de 1963, era apenas “Paulinho”, seu irmão de 23 anos. Assim como seus pais e os outros quatro irmãos que completavam a família, ela nem fazia ideia do apelido que o tornou conhecido nos arredores de Itambé naquela época. Sequer sabia que o irmão, dois anos mais velho do que ela, estava metido em canaviais da Mata Norte do Estado, rodando os engenhos para exigir o pagamento do 13º salário aos trabalhadores rurais.
Tomou conhecimento daquele “personagem” quando dois colegas do Partido Operário Revolucionário Trotskista (Port) entraram na casa de seus pais para conversar sobre “Paulinho”. Era um sábado, 10 de agosto, dois dias depois do assassinato. A família juntou-se na sala para ouvir que “Paulinho” havia sido assassinado com um tiro no peito por latifundiários. “Foi uma revolta na casa porque ninguém esperava. Ele sumia, passava meses fora, mas sempre aparecia com a maletinha dele”, relembra Dona Lélia Pinto.
Fazia nove meses que Paulinho havia aparecido na sua casa, em Mogi das Cruzes (SP), pela última vez. A família sabia de sua militância política, mas sem detalhes. Na sua cidade natal, Paulinho chegou a apoiar a paralisação que operários fizeram na gráfica comandada pelo pai, simpatizante dos partidos de esquerda. O caso rendeu um desentendimento entre os dois e, desde então, Paulinho mergulhou de cabeça nas atividades do Port. “A gente não sabia se ele estava na Rússia, em Cuba. Meu pai ficava ouvindo rádio quando surgia algum conflito político. Dizia ter certeza que Paulinho estava no meio. Morria de preocupação. Mas não tínhamos motivos porque acharmos que ele não iria voltar”, conta.
Doze dias antes, no dia 27 de julho, a família recebeu uma carta em que Paulinho dizia que estava “concluindo um trabalho” para voltar para casa. “Ele voltou, só que de outra forma, né?”, reflete a irmã. Depois de receber a notícia da morte, o pai, Sebastião, e o irmão mais velho, Wilson, cuidaram da documentação e chegaram a Pernambuco na semana seguinte para providenciar o translado do corpo. Lélia conta que o então governador Miguel Arraes se esforçou para facilitar o trâmite, que terminou durando 30 dias. “Era uma batata quente na mão dele, né?”, diz.
A notícia do assassinato de Paulinho foi um baque para a família. A mistura entre o elemento-surpresa, o caráter trágico e a sensação de injustiça tornou a morte de Jeremias ainda mais difícil de digerir. Os pais e os irmãos sofreram reclusos, calados. “Foi o maior susto. Ninguém acreditava. Ficamos todos passados porque não tínhamos ideia de nada. Só Deus sabe como sofremos, nos trancamos”, lembra. Na Câmara de Mogi das Cruzes, um vereador tentou batizar uma rua com o nome de Paulo Roberto Pinto, o nome completo de Jeremias, mas a proposta terminou sendo engavetada.
O golpe de 64 também não permitiu que uma denúncia contra os assassinos fosse formalizada. Sem um desfecho judicial, o caso ficou adormecido, mas, 50 anos depois, Dona Lélia quer resgatá-lo formalmente e inseri-lo nas comissões da Verdade de São Paulo e de Pernambuco. Durante todo esse tempo, a família nunca entrou com ações de pedido de reparação. O que Lélia, que está a frente da iniciativa, espera, agora, é, no mínimo uma retratação histórica para um crime que, segundo ela, foi meramente político. “A morte dele foi política. A correria da vida não permitiu que a gente tomasse essa iniciativa antes. Mas agora estou incentivada e isso vai ser um alento para mim. Lembro dele todos os dias”, desabafa. 
No próximo dia 22 de setembro, Paulinho – ou Jeremias – completaria 73 anos. Dona Lélia planeja passar a data em Itambé, onde ainda não havia pisado. Quer refazer o caminho do irmão, entender o que sua atuação representou para a região, reaproximar-se dele e de sua história.

Um comentário:

  1. Sou mogiano e espero que algum vereador faça um projeto dando o nome desse militante para uma escola ou rua da cidade.

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