AFP - Agence France-Presse
Publicação: 09/01/2015 21:59
Comunidade em Caracas, na Venezuela. Foto: AFP/Arquivos Juan Barreto |
A base da pirâmide social latino-americana se inverteu nos últimos anos, favorecida por uma "década dourada" de crescimento econômico dos anos 2000 e um novo tipo de programa social, os chamados programas de transferência condicionada, que pagam um determinado valor para as famílias pobres que em contrapartida se comprometem, por exemplo, a matricular seus filhos na escola ou a usar regularmente a assistência médica.
Em uma região onde durante décadas quase a metade da população vivia na pobreza (com menos de quatro dólares diários), esse percentual caiu para 24% e a classe média (10 a 50 dólares diários) cresceu de 20% a 34%, segundo o Banco Mundial.
No entanto, o fim do boom econômico gera dúvidas sobre o futuro dos programas sociais locais, que tiveram o seu alcance ampliado.
Iniciados nos anos 90, os programas de transferência condicionada trouxeram uma mudança simples, porém "revolucionária" nas políticas sociais da região, avalia Ana De La O, cientista política da Universidade de Yale, que acaba de finalizar um livro sobre esses programas.
A autora destaca o programa "Bolsa Família" implementado no Brasil, que transfere renda para famílias pobres que matriculam seus filhos na escola, os levam para fazer exames e os alimentam com uma dieta nutritiva.
A ideia é romper o ciclo de pobreza, ajudando à atual geração, enquanto se investe na próxima.
Esses programas tiveram resultados promissores no que se refere a matrícula escolar, nutrição infantil, vacinação e principalmente redução da pobreza: de acordo com as Nações Unidas, 56 milhões de latino-americanos saíram da pobreza entre 2000 e 2012, em grande parte devido a esses programas.
Os programas já foram adotados em 17 países da região e do Caribe, embora políticos discordem sobre o país foi o precursor. Seu sucesso transformou o modo como os governos enfrentam a pobreza no mundo. Os programas de transferência condicionada também foram implantados na África, na Ásia e até em Nova York.
Quantidade x qualidade
Com o fim dos altos preços das matérias-primas que alimentou o boom latino-americano durante anos, o crescimento econômico da região chegará somente a 1% em 2014. Para 2015, é previsto um crescimento de 2,2%.
A desaceleração pode tornar difícil que os esses programas completem uma segunda etapa, considerada essencial: equilibrar quantidade e qualidade.
Com milhões crianças pobres a mais sendo recebidos em escolas e hospitais de todo o continente, os problemas dos sistemas de ensino e de saúde ficaram evidentes.
"Esses programas não podem, sozinhos, terminar com a pobreza", disse De La O à AFP. "É preciso que os governos invistam na outra metade da equação".
Enquanto os programas de transferência condicionada impulsionaram a matrícula escolar a níveis sem precedentes, os resultados ainda são bem relativos", opina Maria Steta Gandara, especialista em políticas sociais do Banco Mundial.
- "Repensando" as políticas sociais -
Com a primeira geração de beneficiários que entram agora no mercado de trabalho, os programas de transferência condicionada devem atingir um outro resultado importante: mostrar que também contribuem para que a próxima geração deixa a pobreza.
A boa notícia para a América Latina pós-boom é que os programas de transferência condicionada são relativamente baratos: custam entre 1 e 2% do Produto Interno Bruto (PIB). Já a outra parte da equação é mais cara.
"Agora que temos mais pessoas fora da pobreza, temos que repensar toda nossa política social", disse Augusto de la Torre, chefe de economistas do Banco Mundial para a região.
"Principalmente as necessidades de uma classe média em crescimento. O objetivo e a qualidade da educação, a qualidade dos serviços de saúde, a qualidade do transporte público e a segurança da população requererá maior atenção".
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