Frevo de bloco com fado, e uma homenagem a Carlos Fernando
Publicado em 06/02/2014, às 06h00
Foto: Guga Matos/JC Imagem
Um dos maiores intérpretes de frevo, criador de estilo próprio e autor de clássicos do gênero, Alceu Valença só agora, com Amigo da arte (Deckdisc), grava um disco inteiro com repertório carnavalesco. Um álbum que levou mais de dez anos para ser lançado. Foi gravado entre 2001 e 2002, e retrabalhado (bases, vozes), no ano passado, por Alceu e o produtor e guitarrista Paulo Rafael. Ele preferiu adiantar outros projetos na frente: os discos Janeiro a janeiro e Ciranda mourisca, depois o DVD Marco Zero e o filme A luneta do tempo (inédito). Amigo da arte chegou terça às lojas virtuais e se tornou, de cara, o mais vendidos na iTunes. Amigo da ate é dedicado a Carlos Fernando. De Lisboa, onde passava férias, Alceu concedeu esta entrevista por e-mail.
JORNAL DO COMMERCIO -Antes de falar, do disco, falemos dos ritmos. Como explicar esta variedade tão grande de ritmos no Carnaval pernambucano? Como chegamos a frevo (com suas diversas nuances), maracatu, caboclinho, ciranda?
Alceu Valença – Pernambuco é o estado com a maior diversidade de gêneros de todo o Brasil. A ideia deste disco é ilustrar em parte esta diversidade, com enfoque nos gêneros do carnaval, ou seja, da zona da mata e do litoral. Fiquei tomado por estes estilos quando cheguei em Recife, ainda menino, e vi desfilar os primeiros blocos de frevo à minha frente. Eu morava na rua dos Palmares, que costumo chamar de “rua carnavalódroma”, porque além de ali passarem os blocos do carnaval, éramos vizinhos do maestro Nelson Ferreira. Lembro dele tomando uísque com papai na minha casa, num dia de carnaval. Fui criado com aboios, emboladas, cocos, forrós, xotes e baiões e, quando nos mudamos para o Recife, se descortinaram para mim o frevo, o caboclinho, o maracatu, as cirandas. O disco “Amigo da Arte” capta este imaginário a partir da minha perspectiva pessoal. A variedade de gêneros de Pernambuco se explica pela própria configuração humana do estado. As regiões do sertão e do agreste viveram a civilização do couro, possuem forte influência árabe e mourisca em suas expressões culturais. Já os gêneros do carnaval vêm da zona da mata, que formou sua geografia humana através da cultura da cana-de-açúcar, com uma presença negra maciça, que veio a influenciar os ritmos do maracatu e das cirandas e a dança do frevo-de-rua, via capoeira. Os caboclinhos possuem raízes indígenas enquanto o frevo-canção ressalta a nostalgia ibérica, com influência do fado e da canção portuguesa, aspecto que procurei ressaltar ao convidar a cantora Carminho para cantar comigo o Frevo Número 1”, de Antonio Maria.
JC - Depois de Claudionor Germano, você é o mais bem sucedido cantor de frevo da historia do gênero. Você compos algum frevo, quando começou a fazer música, e a participar de festivais?
Alceu Valença – O primeiro frevo que compus foi “O Homem da Meia-Noite”, em parceria com Carlos Fernando, para o projeto “Asas da América”, no comecinho dos anos 80 (n- Alceu gravou o Homem da Meia-noite, em 1975, na Som Livre). Eu tinha alguma reserva em cantar frevo, mas Carlinhos me incentivava muito e eu acabei compondo uma série de frevos junto com ele. No novo disco, eu recrio, por exemplo, “Sou eu Teu Amor”, um dos meus primeiros frevos, lançado por Gilberto Gil e Jackson do Pandeiro. Jackson, por sinal, me dizia: “para cantar frevo, tem que ter queixada”, e eu sempre procurei me lembrar deste conselho.
JC - Então depois de gravar o Homem da meia-noite e Pitomba, pitombeira (frevo de Carlos Fernando, ladoB do compacto com o Homem da Meia-Noite) é que despertou sua veia de frevador?
Alceu Valença - E outros ainda, como “Menina Pernambucana” e a primeira vez que gravei “Voltei Recife”, para o Asas da América. Em 1985, estourei o primeiro frevo num disco de carreira, “Bom Demais”, de J. Michiles, do disco “Estação da Luz”. Aí vieram vários outros e o frevo se tornou uma das minhas vertentes mais populares.
JC - E aí entra Carlos Fernando. Qual a principal inovação introduzida por ele no frevo? Lembro que ele me disse que quando mostrou um frevo seu a Capiba, ouviu o comentário: Isso é rock!
Alceu Valença – Da mesma maneira, quando Luiz Gonzaga me viu cantando ao vivo pela primeira vez, disse, como um elogio, que meu som era uma banda de pífanos elétrica (risos). Carlos Fernando foi um reinventor do frevo, responsável por popularizá-lo para gerações que estavam afastadas do gênero. Os desdobramentos de sua iniciativa estão aí até hoje. Seu legado é eterno.
JORNAL DO COMMERCIO -Antes de falar, do disco, falemos dos ritmos. Como explicar esta variedade tão grande de ritmos no Carnaval pernambucano? Como chegamos a frevo (com suas diversas nuances), maracatu, caboclinho, ciranda?
Alceu Valença – Pernambuco é o estado com a maior diversidade de gêneros de todo o Brasil. A ideia deste disco é ilustrar em parte esta diversidade, com enfoque nos gêneros do carnaval, ou seja, da zona da mata e do litoral. Fiquei tomado por estes estilos quando cheguei em Recife, ainda menino, e vi desfilar os primeiros blocos de frevo à minha frente. Eu morava na rua dos Palmares, que costumo chamar de “rua carnavalódroma”, porque além de ali passarem os blocos do carnaval, éramos vizinhos do maestro Nelson Ferreira. Lembro dele tomando uísque com papai na minha casa, num dia de carnaval. Fui criado com aboios, emboladas, cocos, forrós, xotes e baiões e, quando nos mudamos para o Recife, se descortinaram para mim o frevo, o caboclinho, o maracatu, as cirandas. O disco “Amigo da Arte” capta este imaginário a partir da minha perspectiva pessoal. A variedade de gêneros de Pernambuco se explica pela própria configuração humana do estado. As regiões do sertão e do agreste viveram a civilização do couro, possuem forte influência árabe e mourisca em suas expressões culturais. Já os gêneros do carnaval vêm da zona da mata, que formou sua geografia humana através da cultura da cana-de-açúcar, com uma presença negra maciça, que veio a influenciar os ritmos do maracatu e das cirandas e a dança do frevo-de-rua, via capoeira. Os caboclinhos possuem raízes indígenas enquanto o frevo-canção ressalta a nostalgia ibérica, com influência do fado e da canção portuguesa, aspecto que procurei ressaltar ao convidar a cantora Carminho para cantar comigo o Frevo Número 1”, de Antonio Maria.
JC - Depois de Claudionor Germano, você é o mais bem sucedido cantor de frevo da historia do gênero. Você compos algum frevo, quando começou a fazer música, e a participar de festivais?
Alceu Valença – O primeiro frevo que compus foi “O Homem da Meia-Noite”, em parceria com Carlos Fernando, para o projeto “Asas da América”, no comecinho dos anos 80 (n- Alceu gravou o Homem da Meia-noite, em 1975, na Som Livre). Eu tinha alguma reserva em cantar frevo, mas Carlinhos me incentivava muito e eu acabei compondo uma série de frevos junto com ele. No novo disco, eu recrio, por exemplo, “Sou eu Teu Amor”, um dos meus primeiros frevos, lançado por Gilberto Gil e Jackson do Pandeiro. Jackson, por sinal, me dizia: “para cantar frevo, tem que ter queixada”, e eu sempre procurei me lembrar deste conselho.
JC - Então depois de gravar o Homem da meia-noite e Pitomba, pitombeira (frevo de Carlos Fernando, ladoB do compacto com o Homem da Meia-Noite) é que despertou sua veia de frevador?
Alceu Valença - E outros ainda, como “Menina Pernambucana” e a primeira vez que gravei “Voltei Recife”, para o Asas da América. Em 1985, estourei o primeiro frevo num disco de carreira, “Bom Demais”, de J. Michiles, do disco “Estação da Luz”. Aí vieram vários outros e o frevo se tornou uma das minhas vertentes mais populares.
JC - E aí entra Carlos Fernando. Qual a principal inovação introduzida por ele no frevo? Lembro que ele me disse que quando mostrou um frevo seu a Capiba, ouviu o comentário: Isso é rock!
Alceu Valença – Da mesma maneira, quando Luiz Gonzaga me viu cantando ao vivo pela primeira vez, disse, como um elogio, que meu som era uma banda de pífanos elétrica (risos). Carlos Fernando foi um reinventor do frevo, responsável por popularizá-lo para gerações que estavam afastadas do gênero. Os desdobramentos de sua iniciativa estão aí até hoje. Seu legado é eterno.
JC- Você lança um disco que mapeia, traça a trilha sonora do carnaval pernambucano. Mas para uma geração que está por volta dos 25 anos, o Carnaval do Recife é mais shows do que passo. Hoje temos o folião passivo, o que não sai pra brincar, mas para ver shows, a maioria deles, com música que pouco ou nada tem a ver com a festa. Qual tua opinião sobre este fenomeno?
Alceu Valença – Nunca fui um tradicionalista, mas sempre respeitei as tradições. No carnaval, eu só canto os gêneros do carnaval pernambucano. Não canto forró nem baião. Assim como no São João, não canto frevo, nem ciranda. É por isso que costumo dizer que sou um espelho do meu povo. E é por isso que o povo diz que o show de Alceu Valença é o melhor do carnaval pernambucano. Acho saudável que artistas de várias tendências venham para o carnaval do nosso estado, mas também acredito que seja ainda melhor quando estes artistas incorporam frevos, maracatus e cirandas a seus repertórios durante os shows de carnaval.
JC - A geração manguebeat, e a que veio depois, não em maiores afinidades com a música de carnaval, embora tenha com o Carnaval. Este modelo de festa, de shows, teria culpa nisto?
Alceu Valença – Isso tem a ver com os meios de comunicação que cada vez executam menos frevos. Há alguns anos, lancei via internet uma música nova, “Frevo da Lua”, que está também no novo álbum. As rádios tocaram muito pouco e eu tive que ensinar a música para o povo em pleno palco. As pessoas aprendem o refrão e cantam comigo. Mas para um artista novo, que não tem a mesma visibilidade, a situação é muito mais complicada. Agora tem esta lei que obriga as rádios a tocarem frevo uma hora por dia. É uma boa iniciativa. Quem sabe ainda teremos uma rádio que toque frevo 24 horas por dia?
JC - Por volta de 1977, comentava-se que o frevo iria acabar. O disco que tocava no rádio ainda era Capiba 25 anos de frevo, gravado em 1959. O Jornal do Brasil fez uma matéria grande sobre a morte do frevo. Como, ou quem salvou o frevo?
Alceu Valença – A minha geração, a de Carlos Fernando, de Elba, Geraldo, possui um compromisso muito forte com as coisas brasileiras, com a cultura do nordeste. Sem dúvida, o “Asas da América” deu um impulso enorme para uma segunda onda de valorização do frevo, ocorrida a partir dos anos 80. Eu contribuí da minha maneira, mas é claro que todos nós queremos que o frevo se renove e se eternize por muitas gerações. “Amigo da Arte” reitera categoricamente este compromisso.
JC - No disco você faz a junção do frevo de bloco com o fado, cantado por Carminho. Seria o frevo de bloco o nosso fado, com sua insistência na temática da nostalgia, do tempo que passou?
Alceu Valença – As semelhanças são muito explícitas. Tanto o fado quanto o frevo canção possuem melodias dolentes, quase sempre em tom menor, que falam de saudade e nostalgia. Vi a Carminho pela primeira vez quando ela se apresentou no Prêmio da Música Brasileira, no Rio, cantando Tom Jobim. Fiquei arrebatado e fui o primeiro a me levantar para aplaudir de pé. E surgiu a ideia de ela participar do “Frevo Número 1”, exatamente para explicitar as semelhanças entre o fado e o frevo de bloco. Fiquei emocionado com o resultado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário