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quarta-feira, 24 de abril de 2013

Bezerra da Silva: Malandro é quem sabe o que quer

Foto: RioFilme/Divulgacao
Foto: RioFilme/Divulgacao

Poucos imaginam que na Rua Manoel Carvalho, no bairro dos Aflitos, hoje tomada por edifícios, José Bezerra da Silva viveu seus últimos anos no Recife. O futuro rei do partido alto, mestre entre os sambistas do Rio de Janeiro, teria nascido na capital pernambucana em 23 de fevereiro de 1927. Supõe-se. “Até o dia do meu aniversário é complicado”, revelou à professora Letícia Vianna, autora do livroBezerra da Silva, produto do morro (Zahar Editora, 1999). A mãe, Hercília Pereira da Silva, defendia uma outra data, enquanto o pai, Alexandrino Bezerra da Silva, oficializou em documento a adotada por Bezerra. 

A discordância ia além de um registro de nascimento. A contragosto da família, Hercília, bordadeira, uniu-se a Alexandrino, um oficial da Marinha Mercante. Com dois filhos no colo, José e Vanda, viu o marido abandoná-la para morar no Rio de Janeiro e constituir uma nova família. “As crianças foram criadas com uma imagem negativa do pai”, lembra Letícia Vianna. Quando não estava na escola, José trabalhava carregando água. Dos bordados da mãe vinha a maior parte do sustento da família. Às vezes faltava. A irmã de Hercília ajudava com doações.

“A minha infância não foi brincadeira”, resgatou Bezerra à autora de sua biografia. José dividia os trabalhos com o irmão, fruto do segundo casamento da mãe. A relação entre o futuro sambista e o padastro era conflituosa. Foi em meio ao cenário oposto que o garoto despertou para a música. “Gostava de cantar. Mas dentro da minha família, que só conhecia trabalho, ninguém admitia esse negócio. Música era coisa de vagabundo”. Em entrevista, Letícia lembra que Bezerra “levou muita surra” por causa de sua vontade de cantar.

Não desistiu. Com a ajuda de um amigo, aprendeu a tocar trompete. Foi o primeiro instrumento que dominou. A pressão da família só cresceu. Foi quando resolveu seguir os passos do pai e ir para a Marinha Mercante. Serviu por volta de dois anos, quando foi abusado sexualmente por um superior e o desacatou. 

“Na Marinha Mercante só tem veado”, teria gritado durante uma solenidade oficial antes de ser expulso. A rejeição da família se agravou. José seguiu para o Rio de Janeiro, clandestinamente em um navio de açúcar “com a roupa do corpo, uma calça enrolada no braço e dez conto”. Tinha 15 anos. 

Velhos problemas
No Rio, morou por uma semana com a família do pai, mas foi expulso, sob o argumento de que teria ido “somente atrasar a vida” do genitor. Foi para o Cantagalo, onde viveu por 20 anos e aprendeu o samba de partido alto. Em 1950, foi convidado para trabalhar como percussionista na Rádio Clube Brasil. Chegou a ser detido pela polícia incríveis 21 vezes. Não respondeu a nenhum processo. 

Entre as décadas de 1950 e 1960, chegou a mendigar. Depois, retomou a carreira. Só viria gravar o primeiro LP, pela Tapecar, em 1970, graças à ajuda de Beth Carvalho. O disco Bezerra da Silva, o rei do coco, foi lançando em 1975. Um ano depois, chegou ao mercado o Volume 2. Vinis disputados nos sebos, estão novamente disponíveis em CD graças ao pesquisador Marcelo Fróes e o seu selo Discobertas. Não demorou para o intérprete de um ritmo tipicamente pernambucano ingressar no mundo do samba carioca, virando o porta-voz das favelas, recorte bem traduzido no documentário Onde a coruja dorme (2012).

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