Um dos três redatores do Manifesto de refundação do PSB, em 1985, jornalista lamenta falta de uma reforma política e prepara volta ao partido
Ivan Maurício lamenta que governos do PSDB e do PT não fizeram a reforma política
Priscilla Buhr
Militante estudantil, autor de cartas-denúncia sobre prisões e torturas – no governo do general Médici (1969-1974) – e um dos três redatores do Manifesto do PSB, na refundação, em 1985, o jornalista Ivan Maurício, 61, volta ao partido. Saiu em 89, para apoiar Leonel Brizola (PDT) à Presidência, por não concordar com o apoio a Lula. Todavia, diz que o PSB, como os demais partidos, perdeu clareza ideológica. “Volto para defender uma reforma política no Brasil. Torço, porém, por um contraponto ao projeto do PT em 2014”, diz.
JORNAL DO COMMERCIO - Você teve militância estudantil? Quando é que se deu a opção pela militância partidária?
IVAN MAURÍCIO – Nunca tive inserção nas agremiações clandestinas. Por gostar de rock, a militância achava que eu não era um cara sério. Na faculdade de Jornalismo, em 1970, época da ditadura barra pesada, na Universidade Católica (Unicap), fizemos um manifesto que nos rendeu um problema sério: “Cerveja, ame-a ou deixei-a”, uma paródia ao slogan do regime, “Brasil: ame-o ou deixe-o”. A Unicap tinha proibido a venda de cerveja no bar. Eu, Ricardo Noblat, muita gente, quase fomos cassados. Passei a integrar um grupo que dava apoio a presos políticos. Mandávamos cartas-denúncia para a Europa, divulgando prisões e torturas. Abrimos um braço parlamentar para divulgar na Assembleia Legislativa. Daí, surgiu a grande amizade com Jarbas Vasconcelos (deputado do MDB), em 1972. Ele foi de uma coragem tremenda, assim como Fernando Lyra e Marcos Freire (então deputados federais). Tinha dia que Jarbas falava no plenário sozinho, não tinha ninguém para ouvi-lo. Só para registrar no Diário Oficial, porque aí a ditadura não matava. Tinha de prestar conta (do preso).
JORNAL DO COMMERCIO - Você teve militância estudantil? Quando é que se deu a opção pela militância partidária?
IVAN MAURÍCIO – Nunca tive inserção nas agremiações clandestinas. Por gostar de rock, a militância achava que eu não era um cara sério. Na faculdade de Jornalismo, em 1970, época da ditadura barra pesada, na Universidade Católica (Unicap), fizemos um manifesto que nos rendeu um problema sério: “Cerveja, ame-a ou deixei-a”, uma paródia ao slogan do regime, “Brasil: ame-o ou deixe-o”. A Unicap tinha proibido a venda de cerveja no bar. Eu, Ricardo Noblat, muita gente, quase fomos cassados. Passei a integrar um grupo que dava apoio a presos políticos. Mandávamos cartas-denúncia para a Europa, divulgando prisões e torturas. Abrimos um braço parlamentar para divulgar na Assembleia Legislativa. Daí, surgiu a grande amizade com Jarbas Vasconcelos (deputado do MDB), em 1972. Ele foi de uma coragem tremenda, assim como Fernando Lyra e Marcos Freire (então deputados federais). Tinha dia que Jarbas falava no plenário sozinho, não tinha ninguém para ouvi-lo. Só para registrar no Diário Oficial, porque aí a ditadura não matava. Tinha de prestar conta (do preso).
JC - Você era de esquerda, mas sem convicção doutrinária. Como entrou no PSB?
IVAN - A história do PSB está vinculada diretamente ao ano de 1985, quando se recuperou o voto nas capitais. No momento que foi convocada a primeira eleição para as capitais pós-ditadura, em 1985, houve um impasse no (então) PMDB. Um grupo ligado a Sérgio Murilo (deputado federal), com apoio de Marcos Freire, Sérgio Guerra, conquistou três ou quatro diretórios zonais, tornando inviável Jarbas – que tinha fundado o partido, construído uma história – fosse o candidato. Criou uma crise interna. A maioria das lideranças queria Jarbas candidato a prefeito, mas ele não tinha como se viabilizar internamente. Aí houve um papel importantíssimo de Fernando Lyra (ministro da Justiça do governo Tancredo Neves/José Sarney). Ele flexibilizou a legislação que permitiu a troca e criação de partidos. No penúltimo dia do prazo, surgiu o PSB, gerado quase que no Ministério da Justiça. No último dia, Fernando ligou para ver como estava a crise. Já tinha alguns partidos constituídos, como o PL, o PP, o PTB, todo mundo querendo Jarbas. Às 17 horas, Jarbas conversava, em casa, com dr. (Miguel) Arraes, sobre que caminho tomar. Eu e o Egídio Ferreira Lima (deputado federal), na ante-sala, vimos que ele ia perder o prazo. Eu e Egídio filiamos Jarbas à revelia dele e de Arraes. Mandamos um fax para o Ministério da Justiça. Quando contamos a Arraes, ele perguntou: “e quem mandou?”. Arraes terminou concordando, tanto que em célebre discurso, no dia seguinte, disse: “Se a forma não cabe dentro do conteúdo, então que se quebre a forma”. Fiquei presidente do PSB estadual e integrante da executiva nacional.
JC – Por que Marcos Freire não apoiou Jarbas em 85?
IVAN - Porque Marcos queria ser candidato a governador do Estado (em 1986, depois de perder para Roberto Magalhães, PDS, em 1982), e a candidatura de Jarbas, se fosse vitoriosa, garantiria a candidatura de Arraes – pelo PMDB –, como de fato aconteceu. Houve um estranhamento grande entre Arraes, Jarbas e Marcos, em 82, por conta da escolha de Marcos. Arraes esperava ser o candidato. A derrota de Marcos o deixou sem alternativa para pleitear nova candidatura ao governo. Agora era a vez de Arraes. Jarbas entendeu isso. Só que para Arraes (ganhar), era importante conquistar o Recife. A candidatura de Jarbas era fundamental. Restou a Marcos Freire fazer uma aliança com os setores mais conservadores (do PMDB e o PDS) que lançaram Sérgio Murilo.
JC – E por que Jarbas deixou o PSB e voltou ao PMDB?
IVAN – Ele me disse: “vou continuar no partido”. Jarbas deve ter sofrido uma grande pressão do grupo de Arraes, já pensando na candidatura a governador (em 86). Jarbas era a cara do PMDB, esse foi o slogan da campanha de 85. Mas, dias após o Carnaval de 86, Jarbas dá entrevista ao Jornal do Commercioanunciando sua volta ao PMDB. Até hoje, nunca justificou a saída.
JC - Em 86, você acabou disputando o Senado. Foi um revide à saída de Jarbas?
IVAN – O PSB estava se preparando para lançar chapas a deputados federal e estadual. O foco era a Constituinte (que veio a elaborar a Constituição de 1988). Aí, começou uma movimentação, no PSB, de um grupo no sentido de colocar o partido dentro de uma linha auxiliar do PMDB. O vereador Edson Miranda se lançou candidato ao Senado. A gente tinha ficado magoado com a decisão de Jarbas de abandonar o partido. A única forma de barrar a candidatura era eu disputar a convenção. Não queria, nunca quis. Na manhã da convenção, Miranda retirou o nome.
JC – Mas propagou-se que a sua candidatura seria uma reação ao usineiro Antônio Farias, candidato na chapa de Arraes?
IVAN – E foi. A conta que os setores mais à esquerda faziam, e que todo mundo fazia, era que uma vaga (certa) seria Roberto Magalhães. Estava em disputa a segunda. Se houvesse uma dobradinha minha com Mansueto de Lavor (deputado, candidato da esquerda na chapa de Arraes), a gente garantiria que a segunda para ele. E foi o que aconteceu. Mansueto teve 85 mil votos a mais que Antônio Farias, os mesmos 85 mil votos que eu tive. Quando eu casava o voto com Mansueto, eu tirava voto de Farias. Tanto é que Farias votou em mim, para tirar voto de Mansueto. Ele encontrou comigo depois da eleição e me disse: votei em você.
JC – A surpresa veio, porém, quando Arraes começou a pedir o voto na chapa completa?
IVAN – Sim. Foram as pesquisas. Nos últimos 15 dias era nítido o sentimento, a emoção, em torno de Arraes. Mansueto era desconhecido, tinha tido 112 votos em Olinda (na eleição anterior). Terminou (em 86) com uma votação extraordinária. Foi mesmo o voto puxado por Arraes. A 15 dias da eleição, eu tinha 27% em Olinda, e terminei com 9%. Virou uma questão de honra Arraes eleger os dois senadores. Eu sofri um bombardeio, porque um núcleo de esquerda, afinado com Farias, propagava que eu estava a serviço da direita. Na verdade, foi para o PSB não se transformar em partido de aluguel.
JC – Em 1988, vocês votaram em João Coelho, do PDT, e não em Marcos Cunha, do PMDB. Por quê?
IVAN – Veja o que é lealdade política. Nunca denunciamos isso, mas nós tivemos mais de 40 companheiros demitidos da Prefeitura do Recife (gestão de Jarbas). Perseguidos. A gente era tratado, da boca para fora, como aliados, mas, internamente, éramos tratados como adversários, porque começávamos a ter uma identidade partidária. A minha amizade com Jarbas não foi levada em conta. Nunca denunciamos isso como perseguição política, não era oportuno. Falo agora, pela primeira vez. A gente, do PSB, dizia que se automaticamente nos alinhássemos à candidatura de Marcos Cunha, a gente ia confirmar a teoria de que o PSB era um legenda de aluguel. No Recife, apoiamos João Coelho, do PDT, um partido no nosso campo de luta. Havia uma simpatia por Leonel Brizola (líder pedetista).
JC - Essa admiração por Brizola levou à posição, em 1989, de não aceitar o PSB no apoio a Lula? Você saiu do PSB por discordar do apoio?
IVAN- Não foi só isso. A gente tinha uma aproximação com Fernando Lyra, que começou a articular a candidatura (presidencial) de Brizola. A gente já tinha uma aliança com o PDT desde 1988. Quando Fernando foi para o PDT, aprofundei essa aliança (o PSB nacional optou pelo apoio a Lula). Apoiar a candidatura do PDT não dava para fazer como dissidente. Entreguei a presidência, pedi desfiliação do PSB e me filiei ao PDT.
JC – Mais de 20 anos depois, você pensa agora em voltar ao PSB. Por quê?
IVAN – Não é interesse em ser candidato. É como ter um clube, uma bandeira. Eu vou voltar porque quero, a não ser que não me queiram. Há dois anos, disse ao governador (Eduardo Campos), em evento, que pensava em voltar. Não tinha nada de Eduardo presidente. Ele nunca me procurou. Para ninguém pensar que é oportunismo, porque agora ele é candidato a presidente, e em homenagem a Fernando Lyra, vou me filiar no dia em que o irmão João Lyra Neto (vice-governador) voltar (vai deixar o PDT).
JC – Mas você torce pelo projeto de Eduardo?
IVAN - Espero que seja bem sucedido no projeto. Eu acho interessante a candidatura dele. É preciso um contraponto ao PT. Não é que eu torça pelo projeto de Eduardo, eu torço muito mais, e venho torcendo há muito tempo, para que surja um contraponto a esse projeto do PT, que tem contradições profundas. Tem resultados positivos também muito bons, mas acho que a sociedade deve exigir mais. O projeto do PT trouxe melhorias no campo social para o Nordeste, indiscutíveis. Houve uma melhoria de qualidade de vida da população mais pobre, mas não conseguiu melhorar o padrão democrático do País, por uma leniência, uma convivência com a corrupção tremenda.
JC - Essa questão não tem a ver com a falta de uma reforma política? O governo Dilma Rousseff tem 14 partidos na base, Eduardo Campos tem 18 partidos na base, a maioria sem definição ideológica, sem linha programática. Tudo para ter governabilidade.
IVAN – Sim. A essência de tudo é essa. É por isso que acho que o PT precisa de um contraponto, porque ele não conseguiu produzir uma reforma política. É uma grande dívida que o PT deixou com a sociedade brasileiro, mais até que a do comportamento ético, que é grave.
JC – Mas, essa dívida não fica minimizada se observado que o presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) também tentou a reforma política e o Congresso nunca deixou?
IVAN – Os partidos políticos nunca mobilizaram a sociedade. Os que têm definição ideológica são os mais radicais e por serem radicais não têm força no Congresso para mexer com nada, terminam derrotados em tudo. Indefinição ideológica não é um problema só do PT. É do PT, do PSB, do PSDB, todos são partidos sociais-democratas que querem apenas reformular o capitalismo. O sonho de um partido socialista sucumbiu diante da inexistência de uma reforma partidária, que não permitiu a consistência aos partidos. Não têm linha programática, passaram a viver de acordo com alianças. Nem os partidos comunistas têm hoje. Eu posso voltar a um partido (o PSB) que pode fazer uma aliança com o DEM.
JC – Você foi presidente do PSB em um momento bastante diferente de hoje. O que era o PSB, há 20 anos, e o que é agora, depois da fase de liderança de Miguel Arraes?
IVAN – O PSB nasceu em 1945, foi extinto em 1965 pelo Ato Institucional nº 2 da ditadura militar, e só voltou à legalidade em 1985. Hoje, temos uma circunstância absolutamente diferente. O regime democrático está de alguma forma institucionalizado. Dizer que o PSB de hoje é diferente do de ontem não é nenhum saudosismo, é apenas registrar que é um momento diferente da história, no qual os partidos não conseguiram se enraizar do ponto de vista ideológico e programático. A reforma política é uma dívida que a democracia brasileira ainda tem a resgatar, que é institucionalizar a fidelidade partidária, ter respeito ao programa, para que os partidos tenham doutrina. Os partidos ficaram muito diferentes depois da prática sucessiva de eleições a cada dois anos. Foram perdendo nitidez ideológica, as alianças foram sendo feitas das formas mais variadas possíveis. É uma coisa diferente. Esse diferente não é nenhum sentido crítico ao que está acontecendo hoje no PSB, nem nenhum enaltecimento ao que aconteceu no passado. É apenas uma constatação histórica.
IVAN - A história do PSB está vinculada diretamente ao ano de 1985, quando se recuperou o voto nas capitais. No momento que foi convocada a primeira eleição para as capitais pós-ditadura, em 1985, houve um impasse no (então) PMDB. Um grupo ligado a Sérgio Murilo (deputado federal), com apoio de Marcos Freire, Sérgio Guerra, conquistou três ou quatro diretórios zonais, tornando inviável Jarbas – que tinha fundado o partido, construído uma história – fosse o candidato. Criou uma crise interna. A maioria das lideranças queria Jarbas candidato a prefeito, mas ele não tinha como se viabilizar internamente. Aí houve um papel importantíssimo de Fernando Lyra (ministro da Justiça do governo Tancredo Neves/José Sarney). Ele flexibilizou a legislação que permitiu a troca e criação de partidos. No penúltimo dia do prazo, surgiu o PSB, gerado quase que no Ministério da Justiça. No último dia, Fernando ligou para ver como estava a crise. Já tinha alguns partidos constituídos, como o PL, o PP, o PTB, todo mundo querendo Jarbas. Às 17 horas, Jarbas conversava, em casa, com dr. (Miguel) Arraes, sobre que caminho tomar. Eu e o Egídio Ferreira Lima (deputado federal), na ante-sala, vimos que ele ia perder o prazo. Eu e Egídio filiamos Jarbas à revelia dele e de Arraes. Mandamos um fax para o Ministério da Justiça. Quando contamos a Arraes, ele perguntou: “e quem mandou?”. Arraes terminou concordando, tanto que em célebre discurso, no dia seguinte, disse: “Se a forma não cabe dentro do conteúdo, então que se quebre a forma”. Fiquei presidente do PSB estadual e integrante da executiva nacional.
JC – Por que Marcos Freire não apoiou Jarbas em 85?
IVAN - Porque Marcos queria ser candidato a governador do Estado (em 1986, depois de perder para Roberto Magalhães, PDS, em 1982), e a candidatura de Jarbas, se fosse vitoriosa, garantiria a candidatura de Arraes – pelo PMDB –, como de fato aconteceu. Houve um estranhamento grande entre Arraes, Jarbas e Marcos, em 82, por conta da escolha de Marcos. Arraes esperava ser o candidato. A derrota de Marcos o deixou sem alternativa para pleitear nova candidatura ao governo. Agora era a vez de Arraes. Jarbas entendeu isso. Só que para Arraes (ganhar), era importante conquistar o Recife. A candidatura de Jarbas era fundamental. Restou a Marcos Freire fazer uma aliança com os setores mais conservadores (do PMDB e o PDS) que lançaram Sérgio Murilo.
JC – E por que Jarbas deixou o PSB e voltou ao PMDB?
IVAN – Ele me disse: “vou continuar no partido”. Jarbas deve ter sofrido uma grande pressão do grupo de Arraes, já pensando na candidatura a governador (em 86). Jarbas era a cara do PMDB, esse foi o slogan da campanha de 85. Mas, dias após o Carnaval de 86, Jarbas dá entrevista ao Jornal do Commercioanunciando sua volta ao PMDB. Até hoje, nunca justificou a saída.
JC - Em 86, você acabou disputando o Senado. Foi um revide à saída de Jarbas?
IVAN – O PSB estava se preparando para lançar chapas a deputados federal e estadual. O foco era a Constituinte (que veio a elaborar a Constituição de 1988). Aí, começou uma movimentação, no PSB, de um grupo no sentido de colocar o partido dentro de uma linha auxiliar do PMDB. O vereador Edson Miranda se lançou candidato ao Senado. A gente tinha ficado magoado com a decisão de Jarbas de abandonar o partido. A única forma de barrar a candidatura era eu disputar a convenção. Não queria, nunca quis. Na manhã da convenção, Miranda retirou o nome.
JC – Mas propagou-se que a sua candidatura seria uma reação ao usineiro Antônio Farias, candidato na chapa de Arraes?
IVAN – E foi. A conta que os setores mais à esquerda faziam, e que todo mundo fazia, era que uma vaga (certa) seria Roberto Magalhães. Estava em disputa a segunda. Se houvesse uma dobradinha minha com Mansueto de Lavor (deputado, candidato da esquerda na chapa de Arraes), a gente garantiria que a segunda para ele. E foi o que aconteceu. Mansueto teve 85 mil votos a mais que Antônio Farias, os mesmos 85 mil votos que eu tive. Quando eu casava o voto com Mansueto, eu tirava voto de Farias. Tanto é que Farias votou em mim, para tirar voto de Mansueto. Ele encontrou comigo depois da eleição e me disse: votei em você.
JC – A surpresa veio, porém, quando Arraes começou a pedir o voto na chapa completa?
IVAN – Sim. Foram as pesquisas. Nos últimos 15 dias era nítido o sentimento, a emoção, em torno de Arraes. Mansueto era desconhecido, tinha tido 112 votos em Olinda (na eleição anterior). Terminou (em 86) com uma votação extraordinária. Foi mesmo o voto puxado por Arraes. A 15 dias da eleição, eu tinha 27% em Olinda, e terminei com 9%. Virou uma questão de honra Arraes eleger os dois senadores. Eu sofri um bombardeio, porque um núcleo de esquerda, afinado com Farias, propagava que eu estava a serviço da direita. Na verdade, foi para o PSB não se transformar em partido de aluguel.
JC – Em 1988, vocês votaram em João Coelho, do PDT, e não em Marcos Cunha, do PMDB. Por quê?
IVAN – Veja o que é lealdade política. Nunca denunciamos isso, mas nós tivemos mais de 40 companheiros demitidos da Prefeitura do Recife (gestão de Jarbas). Perseguidos. A gente era tratado, da boca para fora, como aliados, mas, internamente, éramos tratados como adversários, porque começávamos a ter uma identidade partidária. A minha amizade com Jarbas não foi levada em conta. Nunca denunciamos isso como perseguição política, não era oportuno. Falo agora, pela primeira vez. A gente, do PSB, dizia que se automaticamente nos alinhássemos à candidatura de Marcos Cunha, a gente ia confirmar a teoria de que o PSB era um legenda de aluguel. No Recife, apoiamos João Coelho, do PDT, um partido no nosso campo de luta. Havia uma simpatia por Leonel Brizola (líder pedetista).
JC - Essa admiração por Brizola levou à posição, em 1989, de não aceitar o PSB no apoio a Lula? Você saiu do PSB por discordar do apoio?
IVAN- Não foi só isso. A gente tinha uma aproximação com Fernando Lyra, que começou a articular a candidatura (presidencial) de Brizola. A gente já tinha uma aliança com o PDT desde 1988. Quando Fernando foi para o PDT, aprofundei essa aliança (o PSB nacional optou pelo apoio a Lula). Apoiar a candidatura do PDT não dava para fazer como dissidente. Entreguei a presidência, pedi desfiliação do PSB e me filiei ao PDT.
JC – Mais de 20 anos depois, você pensa agora em voltar ao PSB. Por quê?
IVAN – Não é interesse em ser candidato. É como ter um clube, uma bandeira. Eu vou voltar porque quero, a não ser que não me queiram. Há dois anos, disse ao governador (Eduardo Campos), em evento, que pensava em voltar. Não tinha nada de Eduardo presidente. Ele nunca me procurou. Para ninguém pensar que é oportunismo, porque agora ele é candidato a presidente, e em homenagem a Fernando Lyra, vou me filiar no dia em que o irmão João Lyra Neto (vice-governador) voltar (vai deixar o PDT).
JC – Mas você torce pelo projeto de Eduardo?
IVAN - Espero que seja bem sucedido no projeto. Eu acho interessante a candidatura dele. É preciso um contraponto ao PT. Não é que eu torça pelo projeto de Eduardo, eu torço muito mais, e venho torcendo há muito tempo, para que surja um contraponto a esse projeto do PT, que tem contradições profundas. Tem resultados positivos também muito bons, mas acho que a sociedade deve exigir mais. O projeto do PT trouxe melhorias no campo social para o Nordeste, indiscutíveis. Houve uma melhoria de qualidade de vida da população mais pobre, mas não conseguiu melhorar o padrão democrático do País, por uma leniência, uma convivência com a corrupção tremenda.
JC - Essa questão não tem a ver com a falta de uma reforma política? O governo Dilma Rousseff tem 14 partidos na base, Eduardo Campos tem 18 partidos na base, a maioria sem definição ideológica, sem linha programática. Tudo para ter governabilidade.
IVAN – Sim. A essência de tudo é essa. É por isso que acho que o PT precisa de um contraponto, porque ele não conseguiu produzir uma reforma política. É uma grande dívida que o PT deixou com a sociedade brasileiro, mais até que a do comportamento ético, que é grave.
JC – Mas, essa dívida não fica minimizada se observado que o presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) também tentou a reforma política e o Congresso nunca deixou?
IVAN – Os partidos políticos nunca mobilizaram a sociedade. Os que têm definição ideológica são os mais radicais e por serem radicais não têm força no Congresso para mexer com nada, terminam derrotados em tudo. Indefinição ideológica não é um problema só do PT. É do PT, do PSB, do PSDB, todos são partidos sociais-democratas que querem apenas reformular o capitalismo. O sonho de um partido socialista sucumbiu diante da inexistência de uma reforma partidária, que não permitiu a consistência aos partidos. Não têm linha programática, passaram a viver de acordo com alianças. Nem os partidos comunistas têm hoje. Eu posso voltar a um partido (o PSB) que pode fazer uma aliança com o DEM.
JC – Você foi presidente do PSB em um momento bastante diferente de hoje. O que era o PSB, há 20 anos, e o que é agora, depois da fase de liderança de Miguel Arraes?
IVAN – O PSB nasceu em 1945, foi extinto em 1965 pelo Ato Institucional nº 2 da ditadura militar, e só voltou à legalidade em 1985. Hoje, temos uma circunstância absolutamente diferente. O regime democrático está de alguma forma institucionalizado. Dizer que o PSB de hoje é diferente do de ontem não é nenhum saudosismo, é apenas registrar que é um momento diferente da história, no qual os partidos não conseguiram se enraizar do ponto de vista ideológico e programático. A reforma política é uma dívida que a democracia brasileira ainda tem a resgatar, que é institucionalizar a fidelidade partidária, ter respeito ao programa, para que os partidos tenham doutrina. Os partidos ficaram muito diferentes depois da prática sucessiva de eleições a cada dois anos. Foram perdendo nitidez ideológica, as alianças foram sendo feitas das formas mais variadas possíveis. É uma coisa diferente. Esse diferente não é nenhum sentido crítico ao que está acontecendo hoje no PSB, nem nenhum enaltecimento ao que aconteceu no passado. É apenas uma constatação histórica.
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