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domingo, 28 de abril de 2013

EXPOSIÇÃO O Recife mutante de Jeims Duarte


Artista investiga a cidade em transição em nova mostra

Publicado em 28/04/2013, às 09h34

Bruno Albertim


O Recife já foi afetivamente transrrealista na pintura de João Câmara. Etnográfico e arquetípico, na de Lula Cardoso Ayres. Épico e luminoso na obra de Cícero Dias. A cidade agora, antimusa concreta, é transitória, indefinida, desmaterializada e em ressignificação sem fluxo definido na nova série do artista paraibano, radicado no Recife, Jeims Duarte. Hoje, às 17h, na Casa do Cachorro Preto, ele inaugura a exposição Região Metropolitana Randômica. E faz questão de frisar que é a primeira vez que expõe em Olinda.

“Expor em Olinda implica saber-se na Região Metropolitana do Recife, metrópole regional dos hemisférios Sul e Ocidental do planeta. Esses diversos escalonamentos me fazem cidadão de uma realidade confusa, heterogênea; para além da aldeia global, porque diz respeito a uma síntese de códigos culturais diversos que, no meu caso, é a minha síntese”, ele diz.
Aos 38 anos, Duarte é um expoente de sua geração nas artes plásticas pernambucanas. Não é demasiado sublinhar a origem ou as locações de sua obra. A territorialidade, o pertencimento, as identidades demarcadas são todas questões fundamentais de que se nutre sua arte.

Sua mostra não poderia ocorrer em momento mais sensível. Em cerca de 30 quadros e cinco instalações, Jeims flagra o Recife que se despe de paisagens uma dia tomadas como eternas para se aliar aos adjetivos do novo. Não é – embora se apressem em querer filiá-lo os militantes de movimentos de preservação da urbe – o que se poderia chamar de artista engajado. Coincidentemente, hoje ocorre mais uma mobilização do Ocupe Estelita, quando moradores da cidade ocupam o cais para onde está previsto um grande projeto imobiliário.

“Existem tomadas de posição, mas são de uma pessoa que olha para o seu entorno. Não é uma tentativa de reformulação, apenas uma descrição de estado de espírito”, diz Jeims. Na série, o artista desfila seu “estado mental” diante da metrópole caudalosa, íntima, estranha e afoita. Embora se recuse a levantar a baioneta na trincheira, Jeims é, como outros artistas de várias áreas no Recife, a um só tempo reflexo e produtor de reflexões sobre a cidade reinventando-se. Causa e sintoma, portanto.

Na primeira sala da exposição, um grande desenho, 2,70m x 1,10m, traz uma das fachadas inteiras do Chanteclair, o histórico edifício do Recife Antigo que primeiro foi escalado para a guinada do Recife rumo ao novo. Está há mais de dez anos em reformas. Simbolicamente, a placa com o texto do ex-ministr Gustavo Krause decretando o Recife Antigo como república independente (e eterna) da boêmia, um dia afixada na fachada do antigo bar Gambrinus, aparece no quadro desprezada. Está pendurada por uma das pontas, quase caindo da parede.

“O mundo tem o direito de se transformar. Mas nas minhas lembranças, mando eu. Existe uma paisagem na minha cabeça sobre a qual eu tenho autonomia”, determina. A narrativa pictórica dele é, portanto, constituída de descrições entre sua subjetividade (e de seus pares) e a objetividade intangível da urbe. A arte de Jeims Duarte é sempre provocativa. Nos convida a refletir sobre a condição urbana, seus embates e fluxos subjacentes à identidade.

Em obras como Brasília Tinhosa, há uma sobreposição fictícia e irônica entre o plano piloto da capital federal e o reurbanizado bairro de Brasília. Em outra obra, Ofício 000.: de 11/09/2012, ícones e símbolos expurgados da paisagem são retomados e sugerem o ocaso de si próprios e, talvez, o da própria cidade.

Em quase todos os quadros, aparece a principal contribuição plástica do Recife e seus arredores à pictórica de Jeims Duarte. Se outros se deixaram influenciar pela luz, são as manchas que marcam o corpo de uma cidade em reconstrução asséptica o dedo impositor da cidade em sua narrativa. Não por acaso, é uma mancha o que escorre do símbolo do INSS retirado do icônico prédio da Avenida Dantas Barreto em outras das obras. No desenho com pastel, um avião de papel ameaça o arranha-céu.

Mas, aqui, o Recife é ele e é outro. “A Região Metropolitana Randômica não é o Recife, ela é qualquer região metropolitana. São redes. Nova Deli dialoga com Paris. Essa grande rede talvez seja a Região Metropolitana Randômica. E isso não é sistemático, é desorganizado, não há um valor hierárquico. É algo que vai um pouco contra a ideia de aldeia global, que é como a ideia de democracia. É uma ideia bonita. Mas vem de cima, não existe na prática. A aldeia global tem muito fluxo numa direção, enquanto que, na vida real, temos as contaminações indo para todos os lados”, discorre ele que, não fosse radicado no Recife, certamente não seria o artista que é: “A verdadeira cidade natal é aquela em que você lança pela primeira vez, um olhar inteligente sobre si mesmo”.

Região Metropolitana Randômica, exposição de Jeims Duarte. Com DJ Ravi Moreno e VJ Mozart. A Casa do Cachorro Preto (Rua 13 de maio,99 – Cidade Alta – Olinda-PE). Visitação até 26 de maio, de quinta a domingo, das 16h às 21h.

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