O jornalista, que vem ao Recife em maio dar um curso sobre a escrita de biografias e livro reportagens, fala sobre seu ofício
O jornalista Fernando Morais, autor de obras como Olga, A ilha e Chatô, o rei do Brasil, vem ao Recife no dia 18 de maio para dar o curso Como escrever uma biografia - as inscrições acontecem no cursos@odisseu.com.br e custam R$ 250. Na entrevista abaixo, ele fala da carreira e da importância da literatura para sua formação.
JORNAL DO COMMERCIO – Em que medida é possível ensinar às pessoas como narrar histórias e criar biografias?
FERNANDO MORAIS – Sempre achei que podia haver razão no ditado que diz que “quem sabe, faz; quem não sabe, ensina”. Anos atrás, no entanto, aceitei um convite da Unicamp para dar um curso livre no Instituto de Letras intitulado Jornalismo como História, jornalismo como Literatura. Ao preparar o curso, descobri que para produzir meus livros eu havia desenvolvido uma espécie de metodologia pessoal de trabalho que era possível compartilhar com os alunos. Iniciativas como a oficina que darei em Recife são uma forma de retransmitir aos mais jovens o que aprendi com Mino Carta, Murilo Felisberto, Claudio Abramo, Fernando Portela e tantos outros mestres da nossa profissão. Continuo, no entanto, acreditando que ler é a única maneira de aprender a escrever. Não conheço nenhum bom autor que não seja um leitor voraz.
FERNANDO MORAIS – Sempre achei que podia haver razão no ditado que diz que “quem sabe, faz; quem não sabe, ensina”. Anos atrás, no entanto, aceitei um convite da Unicamp para dar um curso livre no Instituto de Letras intitulado Jornalismo como História, jornalismo como Literatura. Ao preparar o curso, descobri que para produzir meus livros eu havia desenvolvido uma espécie de metodologia pessoal de trabalho que era possível compartilhar com os alunos. Iniciativas como a oficina que darei em Recife são uma forma de retransmitir aos mais jovens o que aprendi com Mino Carta, Murilo Felisberto, Claudio Abramo, Fernando Portela e tantos outros mestres da nossa profissão. Continuo, no entanto, acreditando que ler é a única maneira de aprender a escrever. Não conheço nenhum bom autor que não seja um leitor voraz.
JC – Qual a importância da escrita criativa para o relato de histórias reais? Acha que só os recursos da ficção podem dar conta da realidade?
MORAIS – Não posso, claro, falar em nome de nenhum outro autor. Mas nos 11 livros que publiquei até hoje você não encontrará uma sílaba, uma vírgula de ficção. Quando falo em dar “tratamento literário” a textos de não ficção, algumas pessoas entendem isso como “tratamento ficcional”. Não se trata disso, mas de tentar dar à narrativa de fatos reais um tratamento literário – elegante, fluente e sedutor – tarefa impossível, por exemplo, na voragem do dia-a-dia de uma redação de jornal ou revista. Como não frequentei cursos formais de jornalismo, não sei qual é a pedagogia adotada. Nos meus cursos o que faço é compartilhar com os alunos cada fase da produção de um livro – seja uma biografia, seja o relato de um episódio histórico. A experiência que tenho a dividir com eles são algumas décadas de jornalismo e os livros que publiquei.
JC – Como começou a se interessar a trabalhar com o jornalismo?
MORAIS – Comecei muito cedo, entre 14 e 15 anos. Era office-boy da redação de uma revista interna de um banco de Minas Gerais, onde nasci. Como eu lia muito, desde pequeno, por influência de meu pai, um bancário intelectualmente sofisticado, aprendi a escrever também muito prematuramente. De dia eu servia café aos redatores da revista; de noite escrevia um jornalzinho mensal, mimeografado, que circulava entre a turma do meu bairro. Um dia faltou um repórter na revista e o editor perguntou se eu topava fazer uma entrevista no lugar dele. Topei, o editor gostou, dormi office-boy e acordei jornalista. As revistas Cruzeiro e Realidade eram referências muito claras do que eu gostaria de um dia fazer. Mas tudo o que sei devo à minha experiência no Jornal da Tarde, onde trabalhei de 1966 até 1974.
MORAIS – Não posso, claro, falar em nome de nenhum outro autor. Mas nos 11 livros que publiquei até hoje você não encontrará uma sílaba, uma vírgula de ficção. Quando falo em dar “tratamento literário” a textos de não ficção, algumas pessoas entendem isso como “tratamento ficcional”. Não se trata disso, mas de tentar dar à narrativa de fatos reais um tratamento literário – elegante, fluente e sedutor – tarefa impossível, por exemplo, na voragem do dia-a-dia de uma redação de jornal ou revista. Como não frequentei cursos formais de jornalismo, não sei qual é a pedagogia adotada. Nos meus cursos o que faço é compartilhar com os alunos cada fase da produção de um livro – seja uma biografia, seja o relato de um episódio histórico. A experiência que tenho a dividir com eles são algumas décadas de jornalismo e os livros que publiquei.
JC – Como começou a se interessar a trabalhar com o jornalismo?
MORAIS – Comecei muito cedo, entre 14 e 15 anos. Era office-boy da redação de uma revista interna de um banco de Minas Gerais, onde nasci. Como eu lia muito, desde pequeno, por influência de meu pai, um bancário intelectualmente sofisticado, aprendi a escrever também muito prematuramente. De dia eu servia café aos redatores da revista; de noite escrevia um jornalzinho mensal, mimeografado, que circulava entre a turma do meu bairro. Um dia faltou um repórter na revista e o editor perguntou se eu topava fazer uma entrevista no lugar dele. Topei, o editor gostou, dormi office-boy e acordei jornalista. As revistas Cruzeiro e Realidade eram referências muito claras do que eu gostaria de um dia fazer. Mas tudo o que sei devo à minha experiência no Jornal da Tarde, onde trabalhei de 1966 até 1974.
JC – Com que escritores mais aprendeu os recursos literários que usa em suas obras?
MORAIS – Além dos básicos – Machado de Assis, Graciliano Ramos, Euclides da Cunha – aprendi muito com o chamado new journalism norte-americano, movimento que deu craques como Truman Capote, Norman Mailer, Gay Talese, Tad Szulc, Tom Wolfe. Li toda a obra e recomendo sempre os livros do polaco Ryszard Kapus’cin’ski. E, claro, Gabriel García Márquez, cuja produção de não ficção vale por todo um curso de jornalismo. Há três grandes reportagens dele simplesmente antológicas: Relato de um náufrago, Operação Carlota e As aventuras de Miguel Littín clandestino no Chile. Não posso esquecer de Esta noite a liberdade, um tijolaço sobre o processo de descolonização da Índia escrito pela dupla Dominique Lapierre e Larry Collins. Um livraço.
JC – Você escreveu uma biografia de Paulo Coelho. Você se interessa apenas pela figura do escritor ou também por sua obra?
MORAIS – Quando propus ao Paulo o projeto da biografia eu só havia lido o primeiro livro dele, Diário de um mago. Depois, para fazer meu livro, li todos, claro. Eu gostei do Diário de um mago, mas ele não me tornou leitor do Paulo - por uma razão que só descobri ao ler toda sua obra. Paulo Coelho escreve para a alma das pessoas, o que dificulta a sedução de um leitor materialista e incréu como eu. Mais do que o escritor, o que me interessava era o fenômeno Paulo Coelho, com sua vida dramática e seu sucesso planetário. O Paulo é um personagem singular, único, e ter feito a biografia dele foi um privilégio.
JC – Já teve vontade de escrever ficção? Por quê?
MORAIS – Não, nunca. Com a realidade rica que nos cerca, para que me meter a fazer ficção? Além disso, não me sinto capaz. O mais próximo que cheguei da ficção foi escrever um roteiro de minissérie para a TV Globo intituladaSociedade secreta. O pano de fundo e a ambientação eram reais: a Revolução Constitucionalista de 1932, quando os paulistas enfrentaram Getúlio Vargas de armas na mão. Mas no primeiro plano, todas as histórias eram ficcionais. Baseadas em fatos e personagens reais, mas ficcionais. Foi uma experiência interessante, mas nem assim me animei a embarcar na aventura da ficção.
JC – Suas obras muitas vezes possuem temáticas políticas. Acredita em bom jornalismo sem paixão? Como escolhe seus temas?
MORAIS – Sem paixão nada sobrevive. E o tal do “jornalismo apolítico” me parece uma expressão meio hipócrita. Ser apolítico é uma das muitas forma de fazer política. Mande dois repórteres honestos cobrirem o mesmo fato e você terá “verdades” diferentes e, às vezes, contraditórias. Alguém já disse que os Evangelhos de Jesus Cristo nada mais são que quatro reportagens sobre o mesmo fato, narradas respectivamente por São Marcos, São Mateus, São Lucas e São João. Cada um contou a “boa nova” à sua maneira. Quanto à escolha do tema, num país com cultura e história tão exuberantes, este não é um problema. Darcy Ribeiro costumava dizer que “o Brasil é ótimo, o que falta é gente para contar”. O Nordeste brasileiro da primeira metade do século passado, por exemplo, é uma fonte inesgotável de personagens e episódios que dariam livros, filmes, minisséries.
JC – Em que obras trabalha agora? Existem projeto de novos filmes baseados nos seus livros?
MORAIS – Eu sou um multitarefa. Nem tanto por gosto, mas porque não acumulei bens e aos 66 anos tenho que trabalhar para viver. Não reclamo, mas preferiria trabalhar menos. Neste momento estou fazendo entrevistas e pesquisas para escrever um livro sobre o ex-presidente Lula. Não é uma biografia, mas a reconstituição da vida dele desde a prisão, em 1980, até a transmissão do cargo para a presidente Dilma Rousseff. Além disso, dou consultoria ao cineasta norte-americano Spike Lee na produção do documentário longa-metragem intitulado Go, Brazil, go!, que ele está dirigindo. Estou também roteirizando e narrarei o documentário longa-metragem A crise dos olhos azuis, sobre a crise econômica de 2007/2008 nos Estados Unidos e na Europa e seus efeitos no Brasil. E além disso ainda tem José Dirceu, Venezuela, MST, Hugo Chávez, Paraguai... Depois das adaptações de Olga e Corações sujos, meu próximo livro a ir para o cinema será Os últimos soldados da Guerra Fria, cujos direitos já foram vendidos.
MORAIS – Além dos básicos – Machado de Assis, Graciliano Ramos, Euclides da Cunha – aprendi muito com o chamado new journalism norte-americano, movimento que deu craques como Truman Capote, Norman Mailer, Gay Talese, Tad Szulc, Tom Wolfe. Li toda a obra e recomendo sempre os livros do polaco Ryszard Kapus’cin’ski. E, claro, Gabriel García Márquez, cuja produção de não ficção vale por todo um curso de jornalismo. Há três grandes reportagens dele simplesmente antológicas: Relato de um náufrago, Operação Carlota e As aventuras de Miguel Littín clandestino no Chile. Não posso esquecer de Esta noite a liberdade, um tijolaço sobre o processo de descolonização da Índia escrito pela dupla Dominique Lapierre e Larry Collins. Um livraço.
JC – Você escreveu uma biografia de Paulo Coelho. Você se interessa apenas pela figura do escritor ou também por sua obra?
MORAIS – Quando propus ao Paulo o projeto da biografia eu só havia lido o primeiro livro dele, Diário de um mago. Depois, para fazer meu livro, li todos, claro. Eu gostei do Diário de um mago, mas ele não me tornou leitor do Paulo - por uma razão que só descobri ao ler toda sua obra. Paulo Coelho escreve para a alma das pessoas, o que dificulta a sedução de um leitor materialista e incréu como eu. Mais do que o escritor, o que me interessava era o fenômeno Paulo Coelho, com sua vida dramática e seu sucesso planetário. O Paulo é um personagem singular, único, e ter feito a biografia dele foi um privilégio.
JC – Já teve vontade de escrever ficção? Por quê?
MORAIS – Não, nunca. Com a realidade rica que nos cerca, para que me meter a fazer ficção? Além disso, não me sinto capaz. O mais próximo que cheguei da ficção foi escrever um roteiro de minissérie para a TV Globo intituladaSociedade secreta. O pano de fundo e a ambientação eram reais: a Revolução Constitucionalista de 1932, quando os paulistas enfrentaram Getúlio Vargas de armas na mão. Mas no primeiro plano, todas as histórias eram ficcionais. Baseadas em fatos e personagens reais, mas ficcionais. Foi uma experiência interessante, mas nem assim me animei a embarcar na aventura da ficção.
JC – Suas obras muitas vezes possuem temáticas políticas. Acredita em bom jornalismo sem paixão? Como escolhe seus temas?
MORAIS – Sem paixão nada sobrevive. E o tal do “jornalismo apolítico” me parece uma expressão meio hipócrita. Ser apolítico é uma das muitas forma de fazer política. Mande dois repórteres honestos cobrirem o mesmo fato e você terá “verdades” diferentes e, às vezes, contraditórias. Alguém já disse que os Evangelhos de Jesus Cristo nada mais são que quatro reportagens sobre o mesmo fato, narradas respectivamente por São Marcos, São Mateus, São Lucas e São João. Cada um contou a “boa nova” à sua maneira. Quanto à escolha do tema, num país com cultura e história tão exuberantes, este não é um problema. Darcy Ribeiro costumava dizer que “o Brasil é ótimo, o que falta é gente para contar”. O Nordeste brasileiro da primeira metade do século passado, por exemplo, é uma fonte inesgotável de personagens e episódios que dariam livros, filmes, minisséries.
JC – Em que obras trabalha agora? Existem projeto de novos filmes baseados nos seus livros?
MORAIS – Eu sou um multitarefa. Nem tanto por gosto, mas porque não acumulei bens e aos 66 anos tenho que trabalhar para viver. Não reclamo, mas preferiria trabalhar menos. Neste momento estou fazendo entrevistas e pesquisas para escrever um livro sobre o ex-presidente Lula. Não é uma biografia, mas a reconstituição da vida dele desde a prisão, em 1980, até a transmissão do cargo para a presidente Dilma Rousseff. Além disso, dou consultoria ao cineasta norte-americano Spike Lee na produção do documentário longa-metragem intitulado Go, Brazil, go!, que ele está dirigindo. Estou também roteirizando e narrarei o documentário longa-metragem A crise dos olhos azuis, sobre a crise econômica de 2007/2008 nos Estados Unidos e na Europa e seus efeitos no Brasil. E além disso ainda tem José Dirceu, Venezuela, MST, Hugo Chávez, Paraguai... Depois das adaptações de Olga e Corações sujos, meu próximo livro a ir para o cinema será Os últimos soldados da Guerra Fria, cujos direitos já foram vendidos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário